terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Michael Jordan e Eu


"Novamente a oração é a chave de tudo. Isto me fez lembrar de uma história contada por um principiante que jogava para o Chicago Bulls. Certa noite, o incomparável Michael Jordan fez 65 pontos e o novato recebeu ordem de entrar nos dois últimos minutos do jogo. Quando o jovem foi interrogado mais tarde por um repórter, ele disse: "Foi mesmo uma grande noite. Michael Jordan e eu fizemos 68 pontos". É assim que me sinto sobre ser pai e sobre a oração. Fazemos todo o possível para ganhar alguns pontos, mas a maior contribuição é feita pelo criador dos filhos."
O relato acima está no livro Educando Meninos, escrito pelo Dr. James Dobson e a história do jogo é citada como tendo sido relatada pelo Vice-Presidente Albert Gore Jr. no Desjejum presidencial, em 1995.
A maternidade sem gestação visível me trouxe muitas inseguranças sobre como lidar com meu filhote. Sem familiares ao meu lado, e me esquecendo da existência dos amigos, sempre presentes, lancei mão da atividade que mais gosto de realizar na vida: a leitura. Li muitos livros sobre educação de filhos. De todos eles, o trecho acima foi aquele que colou em minha mente e em meu coração, aliviando um pouco a tensão natural gerada pela responsabilidade de educar uma criança. Dividir o fardo com Alguém cujo poder é infinito foi extremamente tranquilizante.
Receber uma notícia como "Você está com câncer" é muito ruim, e depois dela  pensei que nada de pior poderia ocorrer comigo. Eu não poderia estar mais enganada!
A busca por opiniões médicas era exaustiva. Muitas clínicas me ofereciam uma lista de espera de 3 a 6 meses por uma consulta oncológica. Ora, que paciente de câncer pode ficar esperando um médico por 6 meses? O despreparo das atendentes de clínicas chiques e renomadas se tornou evidente. Num mundo perfeito elas iriam me oferecer um encaixe, ou uma consulta com outro médico da clínica. Demonstrariam alguma empatia por alguém que gritava por socorro do fundo de um abismo. Só que mundo perfeito não existe, e as secretárias das clínicas oncológicas não demonstraram a menor compreensão da gravidade da doença com que trabalhavam todos os dias.
Enfrentei muitas filas de encaixe, conversei com alguns mastologistas e oncologistas para conhecer suas opiniões sobre as linhas de tratamento que poderiam ser adotadas em meu caso. Não faço o gênero desesperado, daqueles que afundam num buraco negro quando recebem a pior notícia de suas vidas. Só que eu não parava de receber más notícias, e estava começando a me desesperar.
Quase 15 anos haviam transcorrido desde o tratamento de minha mãe e o meu, a medicina evoluído, o século havia mudado e, pasmem, os médicos continuavam encarando a reconstrução mamária como um detalhe estético que não faz parte do tratamento de um câncer de mama! Dá pra acreditar nisso?
Todas as noites eu chegava em casa e meu Marido perguntava:
- E daí, Esposa, como foi hoje?
- Ainda não foi hoje. Não encontrei a equipe que vai me tratar.
Em oração eu pedia a Deus que me mostrasse o caminho a seguir! Eu continuaria minha busca empenhando todos os dons naturais com os quais fui abençoada - inteligência, intuição e a capacidade de controle emocional. Eu esgotaria todos os recursos disponíveis antes de me conformar com todas as notícias péssimas que eu vinha recebendo diariamente. Essa foi a maneira que encontrei para tentar marcar meus 3 pontos nesse jogo.
Uma grande amiga recém saída de um tratamento de câncer de mama conseguiu que sua mastologista aceitasse me atender às 19h00. Dra. J me impressionou pela beleza e juventude. Acho que ela é mais nova do que eu. De posse de todos os meus exames ela percebeu que eu buscava alternativas. E demonstrou empatia por mim e simpatia pela reconstrução mamária imediata. Evidentemente uma mulher com boa autoestima enfrenta melhor um tratamento quimioterápico e tem mais chances de sucesso! Claro como a luz de um dia ensolarado. 
Voltei para casa bem tarde naquela noite, cansada, com fome, e chorando de alívio por minha busca ter, enfim, chegado ao fim.
Retornei no dia seguinte para falar com o Dr. C, o cirurgião plástico e discutir minhas possibilidades de reconstrução. Participei da escolha do método e pedi que minha glândula mamária fosse completamente retirada. Havia só um pedacinho doente, mas minha intuição me dizia que era melhor me livrar dela toda. E essa decisão se mostrou a mais acertada, como relatarei oportunamente.
Com a equipe escolhida, começava outra maratona: os preparativos pré-cirúrgicos que envolvem plano de saúde, exames, pré-anestésicos, auto-doação de sangue, fotos, passando inclusive pela compra de meias, cintas, sutiãs e até os pijamas adequados, pra não falar nos preparativos de uma rede de apoio em casa, afinal, eu estaria saindo de cena de minhas atividades de esposa, mãe e dona de casa pra me tornar completamente dependente de minha família. Quando digo completamente, quero dizer exatamente DEPENDÊNCIA COMPLETA. Até para me levantar da cama e ir ao banheiro eu precisava de ajuda.
Um dia, finalmente, tudo estava encaminhado. Me sentei em minha cama, relaxei e comecei a pensar em tudo o que estava acontecendo. Analisando todos os fatores envolvidos no tratamento, pela primeira vez comecei a pensar que a probabilidade de tudo dar certo era infinitamente menor do que a de tudo dar errado. Por mais que eu me esforçasse havia muito pouco que eu pudesse fazer pelo sucesso de minha cirurgia. Havia médicos, auxiliares, centro cirúrgico, anestesista e tanta gente e recursos envolvidos... e eu não podia tomar conta de nada, só de mim mesma. 
Bateu um desespero muito grande que começou com uma bola entalada na garganta, a respiração ficou curtinha, o medo foi se agigantando e me envolvendo numa atmosfera opressiva. Comecei a chorar e o choro foi crescendo, convulsionando, enquanto eu me sentia cada vez menor, como se eu estivesse encolhendo ao passo que os monstros que me aterrorizavam se tornavam cada vez maiores. Seriam eles que estavam crescendo, ou eu que estava diminuindo? Eu não sabia. 
Também não sei por quanto tempo fiquei nesse estado. Sei apenas que chorei muito, até me cansar e as lágrimas secarem, até não encontrar mais em mim nenhuma fonte de energia para reagir. 
No auge do meu cansaço, me sentindo completamente abandonada, um pequeno milagre aconteceu: me lembrei do Michael Jordan.
Comecei a sorrir, me levantei com a cara toda inchada, fui ao banheiro lavar o rosto, me olhei no espelho e disse a mim mesma: 
- Fabiana, você se esqueceu em que time você joga! Sua única obrigação é marcar 3 pontos!
E eu estava determinada a marcar os meus; e tinha bem mais de 2 minutos restantes em meu jogo. 
Voltei a me sentir em paz novamente, mesmo sabendo que minha jornada estava apenas no início e que não seria fácil concluí-la.
Quando meu Marido me perguntava:
- E agora, Esposa, o que vamos fazer?
Eu respondia sorrindo e em paz:
- Nada com que se preocupar, Marido. Só preciso marcar 3 pontos, e você sabe que estou me esforçando muito para isso. O resto não é comigo, afinal, eu jogo no time do Michael Jordan!!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

De Médico e Louco...



Recebi a notícia de minha doença numa sexta-feira.
O dia acabou. O final de semana chegou. 
Muito embora eu estivesse assimilando quantas coisas eu teria que fazer nos próximos dias, que seriam de férias, teoricamente falando, sábado e domingo havia muito pouco ou quase nada a fazer.
Só em pensar no que o futuro me reservava eu sentia um tremendo cansaço.
Havia, também, outros dois sentimentos distintos e conflitantes habitando o mesmo espaço em minha alma: o primeiro era uma serenidade trazida pelo conhecimento da notícia. Tal como diz o Evangelho de São João 8, 32: "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Sim, a verdade me libertou da dúvida, da incerteza, da falta de perspectiva quanto ao futuro. Só que trouxe junto o medo do desconhecido.
Minha vida que era toda certinha, planejada e me conferia a segurança necessária para viver havia escapado de meu controle. Quanto mais eu pensava nisso tudo, mais cansaço e sono eu sentia. Providencial e propositalmente me convenci de que não havia nada que eu pudesse fazer num final de semana e orei pedindo a Deus um pouco de descanso. E dormi bem, como uma criança depois de muito brincar, um sono limpo, sem sonhos.
Intimamente eu guardava em mim uma pequena esperança de que talvez eu acordasse no dia seguinte e veria que eu havia sonhado com o câncer; teria sido apenas um sonho e eu poderia retomar minha vida e minhas férias  normalmente.
Meus sonhos secretos não se realizaram.
Me levantei segunda-feira pela manhã, me cerquei de agenda, lista telefônica, internet, papel e caneta e fiz inúmeras ligações para conhecidos a fim de saber referências médicas.
Tentei inutilmente agendar consultas com oncologistas renomados. As atendentes me ofereciam uma lista de espera de 3 meses, no mínimo! Eu mantinha a tranquilidade, quando o meu desejo era de berrar no telefone:
- Será que você não entende? Enquanto eu não iniciar meu tratamento eu estou morrendo um pouquinho por dia! Eu não quero agendar consulta pra tratamento de beleza! Eu preciso de um encaixe, com URGÊNCIA!
Mas elas não entendiam...
O único sucesso que obtive foi o de perceber que as pessoas que representam médicos e clínicas de renome são pessoas completamente alheias à essência de suas funções que não captaram a gravidade do assunto que é tratado ao seu lado, nos consultórios.
Apelei para as amigas e pedi que elas entrassem em contato com médicos conhecidos. E pude perceber a força da rede de relacionamentos. Funcionou!
Lá fui eu pra minha primeira consulta com um oncologista. 
Preciso esclarecer que compareci a quase todas as minhas consultas sozinha. Meu marido estava trabalhando, meu filho, de 2 aninhos à época, estava na escolinha o dia todo, não temos parentes em Curitiba e minhas amigas estavam trabalhando também. Marido sempre se oferecia pra ir, mas eu achava que se ele tivesse que faltar ao trabalho, seria melhor quando eu fosse operada. Por ora, eu faria tudo sozinha.
A clínica era chique, com decoração moderna.
Fui conduzida um longo corredor com muitas portas e cadeiras de espera entre  elas. Localizei o nome do médico, que chamarei gentilmente de Dr.Maluco e me sentei ao lado da porta. Olhando pra cima vi que no verso da placa onde constava o nome do Dr. Maluco havia um adesivo bastante sugestivo do que eu iria encontrar: "Cuidado! Cão bravo!", com direito a desenho ilustrativo.
Uma auxiliar me conduziu para dentro do consultório e me arrumou na maca para o Doutor me examinar. 
O consultório era enorme, com iluminação indireta nas paredes, um balcão do tipo escrivaninha ocupando duas paredes inteiras, repletas de livros e papéis numa desordem proposital. Achei tudo impressionante, até ver médico.
Dr. Maluco era encorpado, com pele queimada do sol, tinha os cabelos ficando grisalhos, desgrenhados à moda Einstein, e usava um jaleco azul que ia quase até seus pés. Ele superava o consultório no quesito "impressão".
Ele me perguntou o que eu tinha, me apalpou e me mandou me vestir.
Sentou-se à escrivaninha, me apontou uma cadeira pra sentar, pegou um papel para fazer anotações e começou o interrogatório.
A cada resposta que eu dava ele me observava de rabo de olho, de cima em baixo fazendo comentários nada animadores.
Resumindo: em sua opinião, com meu histórico familiar - mãe que teve câncer de mama antes dos 50 anos, e minha idade - 36 anos, ele me considerava paciente de alto risco. Sua conduta seria orientar meu mastologista a me submeter à mastectomia bilateral radical!!!!!!!!!!!!!!!!!
Sabem o que isso significa?
Que minhas mamas seriam extirpadas completamente e ao mesmo tempo. No lugar delas, o médico teria que enxertar pele de outra parte do meu corpo pra criar um certo volume que imitaria duas mamas!
Eu teria duas mamas falsas! Remendadas! Costuradas! Ficaria parecendo com uma colcha de retalhos! Uma versão feminina do Franskenstein de Mary Shelley!
Ouvi tudo, fiz muitas perguntas, e disse a ele:
- Estou começando a entender o motivo daquele adesivo no verso de sua placa.
Pela primeira vez ele riu e me disse:
- Ah, você viu é?
Saí do consultório com inúmeros pedidos de exames: uns 50 somente de sangue, ultrassonografias (que em Curitiba se chamam ecografias), tomografias, ressonâncias magnéticas, cintilografia óssea.
Já no carro eu tentava agendar os exames pelo celular, quase vendendo minha alma pra conseguir um encaixe já nos próximos dias.
Quando eu terminava as ações, porque elas sempre acabam, vinha o silêncio. E ele carregava consigo todos os meus temores. Eu dirigia de volta pra casa chorando e pensando:
- NÃO! ISSO NÃO PODE ESTAR ACONTECENDO COMIGO! POR FAVOR, MEU DEUS, ME DIGA QUE ISSO NÃO É VERDADE!


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Tudo o que você queria perguntar à Mulher Careca mas tava meio sem jeito

TUDO O QUE VOCÊ QUERIA PERGUNTAR À MULHER CARECA MAS TAVA MEIO SEM JEITO
Por Rô Fidelis






Mulher careca, num dia de Sol, lenço, boné, peruca ou só um filtrozinho solar básico?
R: Filtro solar sempre! Mas eu não dispenso um boné moderno que confere um certo charme ao visual.

O que mudou da mulher cabeluda (a.C.) pra mulher careca (d.C.)?
p.s.: a.C - antes do câncer
       d.C - depois do câncer
R: A principal mudança foi que (a.C.) eu pensava nos outros em primeiro lugar e, se sobrasse tempo ou possibilidades de me agradar no final, eu estava no lucro.
No outro extremo (d.C) agora penso primeiro em mim, sem culpa. 

Os pelinhos fazem falta ou só servem pra fazer a alegria da depiladora?
R: Os únicos pelinhos que fazem falta, e fazem uma FALTA DANADA são os CÍLIOS e SOBRANCELHAS. Nem me senti feia careca, mas sem os tais cílios e sombrancelhas...

Uma mega banana split ou um capuccino cremosíssimo?
R: Capuccino cremosíssimo, sem sombra de dúvida, no inverno e no verão!

Você percebeu alguma mudança na reação das pessoas desconhecidas (na rua) em relação à vc careca?
R: Sim. Passei a ser notada. Me destacava. Notei muitas caras de espanto do tipo "O que essa louca está fazendo sem os cabelos?" e também recebi elogios. O visual exótico chamava a atenção.

Praia, neve ou campo?
R: Praia.

O que é, digamos, desagradável na reação de alguém quando você conta que teve câncer? 
R: Aquela dramatização que certas pessoas fazem de um sofrimento maior do que o meu, que tive câncer, simplesmente por saberem que eu tive a doença.
E a banalização do sofrimento que o paciente de câncer viveu - e que certamente foi a pior da vida dele - com a citação de uma porção de exemplos de pessoas que também tiveram o problema e "tiraram de letra", como se isto fosse a coisa mais fácil do mundo.

É chato ter que contar como está o tratamento e seria melhor se não perguntassem ou falar do assunto é tranquilo?
R: Nem um pouco chato. Falo sobre a doença e o tratamento com naturalidade. Não tenho nenhum problema com isso. Só que é preciso dosar o que se vai falar, porque muitas pessoas perguntam apenas por educação.

Macacão de listras coloridas ou blusinha básica branca?
R: Blusinha branca básica. Confesso que é o que tem em metade do meu guarda-roupas.

O que é chato ouvir de alguém sobre a doença?
R: Xiiiiii... essa lista é meio extensa, mas vou focar o que mais me incomodava e dizer porquê.
1. Ouvir que a doença foi vontade de Deus. PONTE QUE PARTIU! Eu sou mãe, e super imperfeita, erro muito; mesmo assim, com toda a minha humanidade, sou um ser humano (imperfeito, lembrem-se!) incapaz de projetar qualquer tipo de sofrimento para a vida do meu filho. O Deus em Quem eu creio é AMOR em toda a sua essência, e jamais mandaria qualquer tipo de sofrimento a nenhum de seus filhos. A doença faz parte de minha condição humana, e enquanto eu estiver na condição humana estou sujeita a todas as suas mazelas. Pra que ninguém me interprete mal, quero salientar que, crer que Deus estava ao meu lado, me ajudou a não me sentir sozinha durante o período em que me senti atrassando um longo e escuro túnel.
2. Ouvir que foi você quem produziu a doença em seu corpo, seja com seus pensamentos ou suas atitudes. Não estou dizendo que eu não tenha responsabilidade sobre isso, mas quando eu me sentia com o pé na ante-sala do purgatório, esse tipo de comentário só me trazia sentimentos de culpa e questionamentos que me deixavam muito mal. E tristeza detona o sistema imunológico de qualquer ser humano. A quimio também derruba, e ela não precisa de uma mãozinha extra.
3. A tirania do pensamento positivo. Quando eu estava nos dias bons - e dias bons não querem dizer dias ótimos, com tudo normal; querem apenas dizer que eu não estava tão ruim - eu até conseguia pensar positivo, ter fé e esperança de que tudo iria melhorar, de que o tratamento seria apenas uma fase difícil de minha vida. Mas quando eu fazia quimio e ficava vários dias seguidos me sentindo muito mal, sinceramente, eu não conseguia pensar positivo. A única coisa que eu conseguia era me retirar, ficar quietinha, tentando não atrapalhar ainda mais a vida de minha família, repetindo pra mim mesma: "Vai passar". Só isso. Então eu me culpava por não estar conseguindo ser "positiva". Ora, gente, só o fato de aguentar a barra e não reclamar já exigia um esforço homérico. Nessas horas eu não conseguia ser Poliana. Só que eu também não queria me sentir mal por causa disso. Eu já estava fazendo o meu melhor.

O que é legal ouvir de alguém sobre a doença?
R: Os exemplos de pessoas que conseguiram vencer a doença e que fazem a diferença na vida de outras pessoas, que a medicina descobriu um novo medicamento que aumenta as chances de cura, que algumas terapias alternativas ajudam a melhorar a qualidade de vida durante o tratamento, que há livros gostosos de ler que tratam do universo da doença de maneira leve até mesmo divertida, que alguém conhecido ou desconhecido gostaria de conversar contigo pra partilhar uma experiência e te dar uma força, ou pra recebers uma força, entre tantas outras coisas legais.

Manjericão, pimenta ou alho?
R: Os três! hummmmmm... que delícia!

Qual é a atitude ideal da família, dos amigos e dos desconhecidos em relação a alguém com câncer?
R: Dar apoio. Só que esse apoio é diferente de uma pessoa pra outra. No meu caso, receber apoio, significava ter alguém pra me ouvir, aceitando meus sentimentos sem me criticar e que ao final essa pessoa pudesse simplesmente me dizer que estava ao meu lado torcendo por mim, "tocando os tambores" pra me guiar enquanto eu atravessava meu túnel escuro.

Uma lembrança que aquece o seu coração.
R: Uma só é difícil, pois tenho várias. Foram tantas as demonstrações de carinho e apoio que recebi, graças a Deus e aos amigos queridos que me cercam. 
Como é pra mencionar apenas uma, vou colar logo abaixo o e-mail que recebi de uma grande amiga, em 04/12/2009, com o título "Yesterday", cuja lembrança permanece em minha memória:

"Minha querida amiga,
Ontem passamos o dia juntas e foi ótimo. Fazia tempo que não tínhamos tanto tempo livre só pra nós não é mesmo? Então, sabe que em alguns momentos eu tive vontade de te dizer algumas coisas mas não quis “estragar” o clima com assuntos melodramáticos, provavelmente tudo o que vc não precisa agora é mais gente fazendo drama perto de vc. Bom, como acho que falar olhando diretamente pra vc, sem chorar, vai ser impossível e não quero que vc protagonize comigo nenhuma cena de novela mexicana, aliás, se for pra encenar qualquer coisa, que seja um episódio da Nigela, né?? resolvi escrever, porque acho que é importante que vc saiba o que quero te dizer. É o seguinte, essa batalha que vc tem pela frente, infelizmente será uma luta só sua, mas como disse a raposa ao pequeno príncipe: “vc é responsável por aquilo que cativas”, vc tem cativado ao longo da sua vida, fortes e verdadeiras amizades, então tenha certeza de que apesar de a luta ser só sua, vc não ficará sozinha no campo de batalha não, estaremos eu e várias outras pessoas que te conhecem e te amam tanto quanto eu te amo ao seu lado, te apoiando, te levando amizade, companhia e um capuccino com creme. Não esmoreça minha amiga! vc é uma fortaleza e vai precisar dessa enorme força interior que vc tem e eu tanto admiro. Prometo que, seguindo seu exemplo, vou também tentar me fortalecer para ajudá-la a manter o bom astral.
Te amo muito. Vc é responsável por mim.
Beijo.
Rô"

A mulher careca, de alguma forma, foi melhorada pelo câncer? tipo, adquiriu algum bom hábito, mudou seu ponto de vista sobre algum assunto...
R: Sim, A Mulher Careca saiu do sedentarismo que era seu pior e mais arraigado hábito. Você pode acreditar que há um ano atrás ela não conseguia correr uma quadra e agora corre 4 ou 5 quilômetros, habitualmente?
Ela também passou a dar preferência aos alimentos orgânicos e fez ajustes sensíveis em seus hábitos alimentares. Particularmente, acho que ela está se amando e se cuidando mais atualmente do que antes da doença.

Pra finalizar: O que a mulher careca espera/planeja para o futuro, além de reaver suas belas madeixas?
R:
1. Nunca mais ter câncer!
2. Fazer alguma diferença na vida de pessoas que enfrentam a doença ou que convivem com pacientes de câncer. Só não consegui descobrir como fazer isso, AINDA.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Primeiro erro

Estive ausente das publicações por longo período.
Muito stress no trabalho, alguns probleminhas de saúde, mas nada grave um câncer (ainda bem!)
Em meu último post contei como foi que recebi a notícia de que estava com câncer de mama.
No post de hoje vou contar o que foi que fiz com essa notícia.

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Saí do consultório médico com uma notícia péssima - eu estava com câncer de mama - e uma lista de exames a fazer.
Impossível não pensar em todos os meus planos que haviam escorrido pelo ralo sem que eu tivesse a mínima chance de, ao menos, tentar salvá-los.
O premente, naquele momento que havia tantas coisas a fazer, era avisar o pessoal do trabalho que eu não cumpriria minha promessar de retornar rapidamente. Eu sequer sabia a que horas voltaria...
Disquei o número do escritório em meu celular e, antes que a ligação se completasse, choveram pontos de interrogação sobre meus pensamentos.
Desliguei imediatamente!
Eu daria a pior notícia de toda a minha vida ao pessoal do trabalho em primeiro lugar?
E se fosse com meu marido, eu gostaria de saber depois de outras pessoas?
DEFINITIVAMENTE NÃO! Eu tinha que ser a primeira a saber!
Mas como eu contaria a ele em primeiro lugar?
Ele estava trabalhando num workshop de sua empresa, rodeado de pessoas estranhas, outras nem tanto...
Meu Deus! O que fazer?
Com pesar preciso confessar que "jogo de cintura" não é o meu ponto forte.
Descobri que meu forte é encarar a realidade de frente, nua e crua, feia como ela é, sem rodeios.Então, bem assim, sem rodeios, liguei pro Marido:
- Oi, Esposa! (com um lindo e largo sorriso do outro lado do telefone)
- Oi, Marido! Tudo bem?
- Tudo, e você?
- Bom, eu acabo de sair do médico e acho que, como meu companheiro, você tem o direito de saber em primeiro lugar: estou com câncer de mama!
(silêncio...)
- É?
- É, e agora tenho um monte e exames pra fazer. Depois que eu terminar te ligo pra almoçarmos juntos, ok?
- Tá.
- Beijo.
- Beijo.
Saí correndo pra fazer meus exames, implorando por um encaixe no laboratório. Mais do que nunca eu tinha pressa. Encaixes envolvem filas de espera. E nessas filas, sem livro algum em maos, eu tentei retomar meus pensamentos, que insistiam em funcionar numa rotação muito superior a que eu era capaz de processar. Foi aí que concluí que havia cometido meu primeiro erro (digo primeiro porque cometi muitos outros depois): concedi ao meu Marido, meu grande companheiro, o GRANDE PRIVILÉGIO de receber uma notícia bomba, assim, na lata, como se fosse um soco no estômago...
Fiquei pensando: fiz tudo como se fosse dar uma má notícia a mim mesma. Mas era minha obrigação pensar que meu Marido é emotivo, se preocupa até quando estou com uma febre baixa, em poucas palavras, ele é o meu oposto...
Caramba, que privilégio chinfrim! Privilégio mesmo teria sido a notícia de que ganhei uma viagem com acompanhante à Polinésia Francesa!
Entretanto minha loteria foi ao avesso - EU TINHA CÂNCER!
Ao final dos exames fui almoçar com o Marido. Ganhei um abraço muito forte, e me senti em paz! O clima do almoço era esquisito, muito esquisito. Eu não sabia responder a nenhum questionamento. Só sabia que teria que fazer uma cirurgia, quimioterapia e que perderia os cabelos. Eu mesma era um poço de dúvidas. A parte boa foi que, de mãos dadas com meu Marido, não me sentia só.
Após o almoço fui até o escritório do meu plano de saúde saber como as coisas iriam funcionar na prática.
No final da tarde voltei ao escritório pra fechar meus assuntos pendentes, e recolher meus objetos pessoais - eu não voltaria a trabalhar tão cedo como gostaria, e tampouco sabia quão longa seria a ausência...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A Bagagem Inesperada


Sexta-feira, 27 de novembro de 2009!
Ah, dia feliz! Último dia de trabalho e, enfim, férias!
Era uma manhã linda, ensolarada e que prometia ser um dia de calor em Curitiba.
No trabalho havia muitas coisas a fazer, muitos detalhes a acertar antes de entrar em férias. Eu trabalhava freneticamente tentando me lembrar de todos os detalhes necessários a fim de não deixar pendências.
A certa altura, falei aos colegas:
- Gente, estou indo ao médico buscar o resultado de um exame e volto logo. Um pé pra ir e outro pra voltar.
Tomei o ônibus e encontrei a sala de espera repleta. Com um livro nas mãos eu relaxo completamente, mas naquele dia eu não tinha nenhum comigo. Fiquei folheando revistas e pensando no que eu poderia estar fazendo no trabalho durante aquele tempo de espera. O retorno ao trabalho demoraria mais do que o esperado.
Quando cumprimentei o médico e entrei no consultório tinha em mente todas as perguntas que eu gostaria de fazer a ele. Havia me decidido a remover meu cisto complexo, mas não queria sacrificar minhas férias e nem complicar a vida dos colegas de trabalho. Março do próximo ano seria uma época boa.
Ele deu uma olhada no resultado de minha biópsia e me estendeu o laudo sem pronunciar uma única palavra.
Procurei localizar a informação mais importante na página e li:
"Carcinoma ductal invasivo grau 3"
Carcinoma, carcinoma, carcinoma... aquelas palavras me diziam que sim, eu estava com câncer. Isso eu não precisava perguntar. E nem conseguiria.
Imediatamente minha garganta trancou; tive a sensação de ter uma bola de tênis entalada nela. O ar não entrava, o ar não saía.
De alguma forma bizarra, eu precisava aliviar a pressão interior que me explodiria a qualquer momento, e as lágrimas teimavam em não sair, logo agora que eu precisava delas.
Curiosamente, não senti o teto desabar sobre minha cabeça e nem o chão fugir de sob meus pés. Me lembrei da ansiedade vivida durante toda a semana, das anotações feitas e concluí: "Minha intuição sabia que eu estava doente. Minha mente, não."
Após a maternidade eu estava lendo o livro "Mulheres Que Correm Com Os Lobos", de Clarissa Pinkola Estés, e me encontrava imbuida da tarefa de estimular minha intuição há anos soterrada por meu raciocínio lógico.
Ponto pra intuição!
Quando consegui restabelecer minha respiração e fazer algumas lágrimas correrem pelo rosto, fiz ao médico um sinal de quem pede tempo nos esportes, procurei lenços em minha bolsa, sequei as lágrimas e disse:
- Não foi isso que eu vim fazer aqui. Queria apenas discutir os procedimentos para a retirada de um tumor benigno...
- É, veja bem, eu também não imaginava esse resultado.
Enquanto o médico pronunciava suas sentenças de pesar, me lembrei de uma característica particularmente estranha de minha família: havia pouco espaço para o acolhimento dos sentimentos e das emoções, e uma intensa cobrança de reações práticas.
Minha mãe ouvia atentamente minhas lamentações infantis e juvenis, cumpria suas funções de matriarca me aconselhando com as melhores palavras encontradas em seu rol de experiências de vida e rematava:
- É, minha filha, mas a vida continua. O mundo não pára de girar e a gente não pode parar também.
Era uma maneira dura de dizer que não importava qual fosse o sabor da fruta, laranja ou limão, eu sempre deveria tirar o melhor delas, fosse a laranjada ou a limonada.
Essa força bastante treinada durante 36 anos assumiu o controle sobre aquela parte de mim que se sentia pequena, triste, desamparada, desesperada e que pedia por socorro. Então, essa força me fez dizer:
- E agora Doutor, o que eu faço?
Ele me conduziu a uma sala de exames, me pediu pra tirar a blusa e o sutiã, palpou o nódulo, simulou desenhos em minha mama direita pra visualizar o tamanho da mutilação que eu sofreria, analisou a anatomia de minhas duas mamas e me propôs uma cirurgia conservadora. Traduzindo: uma cirurgia que eliminaria o pedaço doente de minha mama + as áreas de segurança (pra evitar que o câncer se alastrasse no pedaço restante). 
Perguntei se ele operava com o auxílio de um cirurgião plástico e a resposta:
- Não, eu não preciso. Sou especialista em reconstrução mamária.
- E como você faria essa reconstrução?
- Poderia usar um retalho de gordura abdominal.
- E como ficaria? Você tem fotos pra me mostrar?
Ele apanhou um livro com fotos artísticas de mulheres que tiveram câncer e sofreram os mais diversos tipos de mutilações, não somente as mamárias. Vendo aquele festival de cicatrizes com três ou quatros dedos de largura, me lembrei da cirurgia que uma grande amiga havia feito meses antes de meu diagnóstico: ela teve câncer na mama direita, como eu, esvaziou a mama e o cirurgião plástico a reconstruiu com um músculo abdominal + gordura abdominal; ela ficou com um seio lindo (diferente do original, mas muito bonito) e ganhou uma abdominoplastia de brinde.
Olhei bem pra cara do Doutor, olhei para as fotos das mutilações e perguntei:
- Você acha esse tipo de reconstrução satisfatória?
- Sim, do ponto de vista mastológico e de reconstrucão estão ótimas!
- Pra mim são horríveis! Não são reconstruções! São mutilações!
- Ah, mas não tem outro jeito de fazer! Você acha que um cirurgião plástico vai deixar você sem cicatrizes?
- Sem cicatrizes, não, mas pelo menos elas ficam fininhas e quase desaparecem com o tempo!
- Não, mas veja bem...
Enquanto eu ouvia todas as justificativas injustificáveis com as quais ele tentava me convencer que aos meus 36 anos eu não deveria buscar uma reconstrução mamária plástica, afinal, plástica é estética, e eu estava doente, deveria cuidar de minha saúde, e não da beleza... blá blá blá
Juro que fiquei com umas perguntas na ponta da língua! Só não as pronunciei por prudência. Imaginem se eu falo e ainda, por um azar maior do que aquele de ter câncer, caio nas mãos dele pra uma cirurgia?
Mas eu queria perguntar:
- Doutor, por acaso o senhor fez sua especialização em reconstrução com o Dr. Frankenstein? O senhor é discípulo dele? Meio disfarçado pra ninguém perceber?
Ora, já não bastava ter câncer aos 36 anos? Poderia ficar pior ainda?
Saí do consultório com mais uma lista de exames pra fazer, e uma relação de médicos a consultar, principalmente um oncologista. Todo o meu tratamento dependeria do resultado de meus exames e do que o oncologista me dissesse.
Quando entrei no consultório do mastologista eu trazia comigo certos pensamentos: tarefas a concluir no trabalho, que bagagem levar na viagem de férias... com certeza haveria biquíni, protetor solar, shorts, camiseta, máquina fotográfica...
Cerca de uma hora depois, sem que eu fosse consultada, sem que tivesse a chance de qualquer escolha, me senti obrigada a esvaziar minhas malas pra colocar nelas outro tipo de bagagem que me acompanharia, não somente nos próximos trinta dias de férias, mas nos próximos meses, e que incluia exames, cirurgia, mutilação, quimioterapia, radioterapia, perda da mama, perda dos cabelos... muitas perdas...
MEU DEUS, NÃO QUERO FAZER ESSA TROCA!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

As Férias?


"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente." Carlos Drummond de Andrade
Férias, ah, as férias estão chegando! No final do ano de 2009 eu também estava me preparando para passar uma semana na praia com minha família em Santa Catarina e depois festejar o Natal com os familiares no norte do Paraná.
Meus preparativos envolvem exames periódicos, pois com um histórico familiar mórbido como meu, preciso fazer prevenção
Por falar em prevenção, desde os 22 anos de idade realizo exames de rotina a cada 6 meses. Mesmo quando meu médico me garantia que eu era jovem e podia fazer check-up anualmente, eu comparecia ao consultório semestralmente e o obrigava a me solicitar exames.
Em 2009 não realizei os tais exames no primeiro semestre. Com toda a mudança na rotina gerada por minha maternidade repentina, não os fiz. E não foi por esquecimento, porque me lembrei deles. Foi por opção, afinal eu estava muito cansada e, certamente, estaria bem, como em todas as outras vezes, afinal, eu estava mais feliz do que nunca.
Numa manhã de novembro, dia lindo de sol e calor em Curitiba, fui realizar exames de imagem comuns: mamografia e ultrassonografia de mamas (em Curitiba o pessoal diz ecografia de mamas).
O ultrassonografista me diz:
- Você tem um cisto na mama direita.
- Posso ficar com ele?
- Vamos ver... bem, como se trata de um cisto complexo preciso recomendar a realização de uma biópsia.
Esse cisto, diferente dos demais que eu havia tido, era uma bolsa cheia de líquido com um pequeno nódulo sólido dentro, como se alguém tivesse enchido uma bexiga de água e inserido uma bolinha de gude dentro dela.
Nessa manhã eu saí do laboratório me sentindo fora do rumo.
Cisto complexo? Meu Deus, o que era isso? E logo agora que eu havia assumido a responsabilidade por um filho? O que fazer? O que pensar? O que? Por que? Para que? Como?
Minha cabeça tornou-se uma máquina de pensamentos geradora de interrogações em ritmo acelerado. Uma infinidade delas.
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Eu olhava para a paisagem ao meu redor e, embora tivesse certeza absoluta de que tudo era colorido, algo dentro de mim impedia que as cores me tocassem. Tetricamente, tudo parecia ter sido pintado em tons de cinza e branco e preto.
Fui encontrar meu marido, que também estava no médico, antes de ir ao trabalho. Falei com ele sobre o "achado". Me sentia oprimida por tanta tristeza. Precisava que ele me tirasse do poço em que eu havia despencado.
- Não deve ser nada - ele respondeu.
Tentei argumentar, embora não tivesse argumentos além dos imaginários, para que ele percebesse o desespero em que eu me encontrava.
- Bom, a gente tem que esperar o resultado do exame - falou a voz da lógica masculina.
Minha ansiedade + tristeza + preocupação estavam me sufocando.
Passei o dia todo no trabalho sem conseguir me concentrar em nada, e nem comer, e olhe pra que perder meu apetite eu tenho que estar muito, MUITO mal.
Três dias se passaram assim, indistintos, em que eu esperava somente o desdobrar das horas mergulhada num mar de ansiedade, com uma bola de tênis entalada na garganta, sem dormir à noite, repetindo a Deus a oração que tantas vezes ouvi minha mãe recitar: 
- Meu Deus, me permita viver pra criar meu filho! Eu não posso abandoná-lo agora. Ele já foi abandonado uma vez. Eu simplesmente não posso fazer isso com ele. Você, meu Deus, permitiu que ele viesse pra minha vida nesse momento; me ajude! Me ajude! Preciso viver pro meu filho! Câncer agora não!
Em casa, com meu Marido, o assunto quase não era comentado. Cada um sentia a tensão no ar, a preocupação, a aflição do outro, mas sem recursos pra ajudar, não se falava no assunto, como se não pronunciar certas palavras tivesse o poder de tirar delas a força, até que, enfraquecidas, não conseguissem se tornar realidade.
No terceiro dia após o exame, fui buscar os resultados já com duas consultas agendadas para aquele dia - meu ginecologista e um mastologista que não era o meu oficial. No meu mesmo, eu iria só no dia seguinte, mas não estava com vontade de perder mais uma noite de sono, resolvi me consultar com outro.
Entre uma consulta fui comprar uma fruta. Estava morta de fome.
Encontrei uma moça de cabelos bem curtinhos que me parecia conhecida. E era. Tratava-se de minha ex-vizinha que eu não via há mais de um ano.
- Caramba, como você está diferente! Cortou os cabelos!
- É, eu tive câncer de mama no início do ano. Perdi os cabelos após a primeira quimio.
Meu Deus! Senti um calafrio percorrer meu corpo... seria um sinal? um sinal de que algo parecido estava pra acontecer comigo? 
Credo! Bata na madeira, Fabiana! Xô! E não viaje na maionese! Foi só uma coincidência.
Quando falei com o mastologista, ele me tranquilizou muito. A probabilidade de um câncer se manifestar na forma intra-cística era muito pequena. Ele mesmo nunca havia pego nenhum caso. Câncer normalmente é diferente. Mesmo assim, a fim de proporcionar um diagnóstico mais apurado, ele me sugeriu fazer uma ressonância magnética das mamas.
Ufa, voltei pra casa com o coração leve como uma pluma levada pelo vento. 
Graças a Deus meus dias de agonia haviam terminado e eu não perderia outra noite de sono.
Meu mastologista realmente me pediu uma biópsia, mas também me tranquilizou: em mais de 20 anos de profissão ele havia diagnosticado apenas um caso de câncer de mama intra-cístico numa senhora de mais de 60 anos de idade. Saí do consultório dele decidida a não ser seu segundo caso.
A biópsia é um exame cujo resultado é meio demorado, em torno de 30 dias.
Com a paz de espírito de volta a minha alma, passei bem quase todo esse período.
Apenas nos últimos 5 dias que antecederam o resultado da biópsia é que senti uma ansiedade despropositada, uma bola de tênis trancando minha garganta, uma dificuldade enorme de concentração que eu não sabia de onde vinha. 
Vasculhando meu interior eu não encontrava medo; estava convicta de que não teria câncer, apenas um cisto benigno que teria que ser removido. Algo me dizia que poderia ser minha intuição, mas como nunca fui uma mulher intuitiva, anotei essas sensações num caderno pra depois confrontá-las com o resultado do exame. 
Sou muito lógica e meu raciocínio me levou a pensar que, apenas 10% dos casos de câncer são genéticos; cistos intracísticos são raros; câncer não é doença de pessoas felizes, e isso, com toda a certeza, eu era; eu não estaria incluída numa estatística tão restrita como essa.
E assim cheguei ao meu último dia de trabalho, véspera de minhas tão esperadas férias em "famila", como dizia meu filhote de apenas 2 aninhos de idade.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O Grande Enigma da Maternidade


Antes de receber a visita definitiva de uma cegonha, eu sempre perguntava a minha psicóloga:
- Me diga: como é que uma mulher gesta um filho durante nove meses, passa mal, sente dores no parto, às vezes dificuldades para amamentar, acorda à noite para cuidar do filho pequeno, dorme pouco, trabalha muito, vive cansada e ainda tem coragem de dizer que ser mãe é bom? Isso não entra na minha cabeça!
O ano de 2009 foi bastante atípico e emocionante para minha família.
Meu marido e eu estávamos aguardando uma cegonha chegar a qualquer momento. Em meus planos, 2009 seria o ano da preparação da casa. Encomendamos os móveis da cozinha em Janeiro, e a cegonha conseguiu chegar antes deles.
Quando o trouxemos nosso Filho pra casa descobrimos que não tínhamos sequer sabonete infantil em casa, o que se dirá de banheira? Também não tínhamos um berço! Aliás, o quarto do Alexandre estava repleto de caixas com nossos utensílios de cozinha. Mesmo assim, colocamos um colchão no chão e o pusemos pra dormir lá.
O primeiro final de semana foi sensacional: tivemos visitas, um chá de bebê providencial (porque tínhamos o essencial, mas nos faltava quase todo o resto), o Papai participou de sua primeira corrida de rua, agora na qualidade de Pai, cruzando a linha de chegada com o Filho nos braços!
Quando chegou a primeira segunda-feira do resto de nossas vidas é que percebi como me sentia segura ao lado do meu Marido, e como o inverso era verdadeiro.
Eu tentava fazer coisas que nunca tinha feito antes em toda a minha vida: dar atenção ao meu Filho, seguir uma rotina com ele, e ao mesmo tempo dar conta de fazer a comida, lavar as roupas e as louças (que resolveram procriar como coelhos), manter tudo em ordem... resumindo, eu tentava driblar, cabecear, marcar o gol e jogar na defesa, tudo ao mesmo tempo. Me sentia um fracasso completo!
O Alexandre havia desenvolvido muitas habilidades motoras, mas falava poucas palavras. Quando ele me dizia coisas que eu não entendia - e acreditem, isso acontecia em quase 90% do tempo - eu dizia:
- Filho, eu sou a sua mãe. Supostamente eu deveria entender tudo o que você me diz. Mas eu não entendo nada! Ele ficava bravo comigo, desafiava minha autoridade e encenava birras dignas de uma produção cinematográfica. Quando eu ficava brava ele tentava me seduzir com um sorriso muito engraçado (que era de derreter o coração, tenho que admitir) pra converter a bronca num carinho. Percebi que, com apenas um ano e oito meses, meu Filho já conhecia a arte da sedução e tentava me manipular. Eu tinha que ser firme e não rir, e como era difícil! 
Não era só eu que estranhava a nova rotina. O Alexandre também! Ele acordava a cada meia hora ou quarenta minutos todas as noites. Durante o dia eu não podia sair da vista dele que o garoto gritava feito um louco.
Passei a acordar às seis horas da manhã pra tomar um banho com calma, ter um café da manhã sossegada no meio da bagunça geral, só que, de alguma forma qeu não compreendo, parece que havia alguma conexão entre nós - quanto mais cedo eu acordava, mais cedo ele acordava também. 
No sexto dia de maternidade ele acordou tão cedo que eu mal tive tempo de me vestir depois do banho. Tomar café, nem pensar! Eu costumava almoçar quando ele dormia após o almoço. Nesse dia ele não dormiu à tarde (e eu não almocei). Eu não podia imaginar como uma criança pode ficar tão agitada quando está com sono! Meu Deus, eu sentia fome, e sede, e vontade de ir ao banheiro e o menino não me deixava um segundo sequer!
Quando meu Marido chegou em casa à noite, o Alexandre estava agitadíssimo, a casa estava de pernas pro ar, eu estava com mais sede, fome e sono do que nunca, e à beira de um ataque de nervos!!!!!!! Quando percebeu que eu estava com um humor de morte, ele pegou nosso Filho nos braços e o levou pra um passeio. Quando chegou em casa eu estava lavando roupas, chorando e me questionando:
- O que foi que eu fiz da minha vida? Estava tudo tão tranquilo! Agora eu nunca mais vou conseguir dormir uma noite inteira! Nunca mais vou poder tomar um banho devagar, ou fazer uma refeição com calma, sem interrupção! Ou mesmo ir ao banheiro! O que foi que eu fiz com a minha vida, meu Deus???????
Depois que o Alexandre dormiu, meu Marido me deu uns conselhos óbvios: 
- Você tem que ensinar ao nosso Filho que você tem necessidades e ele tem que respeitá-las.
Eu, que era super independente em tudo, agora precisava me explicar, me justificar, contar cada um dos meus passos a um mini-homem, de apenas 85 cm de altura! Era só o que me faltava!
Entre tentativas, erros e acertos, muitas birras, choros, mordidas, cadeiras do pensamento, cócegas, risos, brincadeiras, teimosias, virose, madrugada no pronto-socorro, adaptação à escola, vacinas, retorno ao trabalho, a família toda se adaptou à nova rotina e tudo voltou para os eixos novamente, considerando-se que os eixos era muito diferentes agora.
Tenho que confessar que quando aquele pequeno projeto de homem me chamou de Mamãe pela primeira vez me olhando nos olhos, ele me fisgou pra todo o sempre! Fiquei completamente apaixonada por aquele menininho lindo de olhos verdes! Mal podia crer que eu era a mãe dele! Eu me sentia a mulher mais feliz e realizada do mundo!
Fui com minha família visitar minha psicóloga, dessa vez como amiga. Depois da chegada do meu Filho não tive mais tempo para fazer terapia.
Observando a dinâmica de minha família, dessa vez foi ela quem me perguntou:
- Você conseguiu resolver seu grande enigma de maternidade? Por que as mulheres ainda gostam de ser mães, com toda a trabalheira que dá?
- Sim, consegui.
- Entrou em sua cabeça?
- Não. Descobri que não entra na cabeça; entra no coração!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Chegada da Cegonha


 Na tarde de 27 de Janeiro de 2009 eu estava trabalhando quando recebi uma ligação do meu marido:
- Esposa, o que você vai fazer amanhã à uma e meia da tarde?
Respirei fundo e pensei em dizer algo como:
- Olhe, meu bem, amanhã, nesse horário, eu pretendo estar mergulhando no mar do Caribe, ou  saboreando um delicioso peixe grelhado com muitas alcaparras num belo barco em Aruba, acompanhado de uma cervejinha bem gelada. E você?
Ao contrário, respondi:
- Bom, nesse horário devo estar trabalhando.
- Você quer ir conhecer seu filho?
- Como assim, conhecer meu filho?
- É que a S. do Juizado da Infância e Juventude me ligou e perguntou se poderemos ir até lá pra conhecer nosso filho. Ela disse que é um menino lindo, que tem os seus olhos, e se chama Alexandre Henrique.
- Ara, Marido, que assunto mais besta pra se fazer brincadeira!
- Não é brincadeira, não. Estou falando sério. Você quer ir conhecer o nosso filho amanhã?
- Claro que quero! Você não está brincando?
- Não, eu vou ligar pra ela e confirmar nosso horário.
- Ah, tá, tudo bem então!

Desliguei o telefone e fui à sala ao lado avisar minha chefe e colegas de trabalho:
- Amanhã após o almoço eu não poderei vir trabalhar. Vou conhecer meu filho!
Foi aquela gritaria, choradeira, emoção, abraços pra todo lado e uma avalanche de perguntas, entre elas:
- O que você vai fazer agora? Vai arrumar uma babá, uma empregada, ou vai deixar seu filho na escolinha o dia todo?
Quem me conhece já sabe que a essa altura minhas mãos e meus pés estavam inundados de suor. Parei de respirar, entrei em pânico, fiquei completamente apavorada. Só conseguia pensar:
- E agora, Meu Deus, o que vou fazer?

Liguei pra madrinha de meu filho, escolhida tempos atrás, e confessei:
- Estou com medo, apavorada, não sei o que fazer.
E não consegui nem chorar de emoção. Sentia uma bola de tênis entalada na garganta, os olhos esbugalhados (a bola de tênis era a culpada), a respiração curtinha, e um pânico enorme.

Naquele dia meu Marido e eu não conseguimos trabalhar direito, nem comer, nem dormir e passamos a noite falando sobre como a gente achava que o Alexandre Henrique seria.

No horário marcado estávamos no fórum pra nos submeter ao processo e quando caminhávamos para nosso carro, indo finalmente conhecer nosso filho, em carne e osso, Marido me disse:
- Minhas pernas estão tão bambas que acho que não vou conseguir dirigir até lá.
Nas fotos o Alexandre era bonito, mas ao vivo...
Quando o avistamos, Marido segurou forte na minha mão:
- Esposa, ele é lindo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

A gravidez do coração é assim, ninguém sabe como e nem quando começa mas a gente sabe que acontece assim:
Uma estrelinha distraída entrega seu filho no endereço errado;
Um anjinho descobre onde ele está e conta pra uma cegonha;
A cegonha chega num lindo dia qualquer trazendo O SEU FILHO, que você esperava que chegasse, mas não sabia quando chegaria. 
E quando ele chega, sua vida dá cambalhotas e piruetas e nunca, NUNCA mais será a mesma, para todo o sempre!
Amém.

    A Nuvem Negra da Família Adams

    A nuvem negra da Família Adams
    Minha mãe morreu de câncer de mama quando eu tinha 22 anos. Na realidade ela teve câncer de mama, fez mastectomia radical e faleceu de metástases múltiplas.
    Um pouco antes de morrer ela me convocou e me disse que eu deveria consultar um ginecologista pra fazer exames preventivos. Detalhe: eu nunca havia ido a um gineco.
    Durante os anos que se seguiram fui ao ginecologista a cada seis meses realizar os exames que toda mulher faz. 
    E eu sentia que carregava uma nuvem negra, como aquela que paira sobre a casa da Família Adams, sobre minha cabeça. 
    Ao final de cada bateria de exames eu respirava aliviada e dizia a mim mesma:
    - Ufa, ainda não foi desta vez!
    De alguma forma, sem embasamento científico algum, eu achava que um dia eu teria câncer. Era só uma questão de tempo até isso acontecer. E conviver com uma nuvem negra pairando sobre minha cabeça, acompanhando meus passos era opressor, depressor, triste... Era sentir, todos os dias, medo de algo que eu acreditava ser inevitável, e viver esperando que meus temores se concretizassem... algum dia... 
    Minhas famílias materna e paterna tiveram vários tipos de câncer, todos diferentes um do outro. Às vésperas de meu casamento, meu pai foi diagnosticado com um tipo de leucemia.
    Aí eu pirei completamente! 
    Passei a discutir com meu médico porque acreditava que os exames que ele me pedia eram insuficientes para cobrir uma investigação de câncer em meu corpo todo. E com meu histórico familiar eu tinha que ficar bem esperta! Filha de pai e mãe que tiveram câncer, era só uma questão de tempo pra acontecer comigo também!
    Ora, eu fazia exames de colo de útero e mama. Mas e se eu tivesse leucemia? Ou um tumor maligno no estômago ou intestino? E se fosse no pulmão? Ou nos ossos? E se...? E se...? Como é que iríamos descobrir a doença no início com tão poucos exames?
    O médico me encaminhou para um oncologista. 
    Nessa época eu morava em Londrina/PR
    Me lembro que quando cheguei à clínica e me deparei com crianças, jovens, adultos e idosos sem cabelos e com aparência de pessoas em tratamento me senti muito feliz por não ser uma delas! Pelo menos por enquanto...
    O oncologista ouviu minha história, minhas neuras e me falou sobre os vários tipos de câncer, da inviabilidade de se realizar exames frequentes que cobrissem todas as possibilidades da doença. 
    A hereditariedade se caracteriza por vários casos de um mesmo tipo de câncer na família, como por exemplo, duas ou mais pessoas com câncer de mama, ou de próstata, ou do mesmo tipo de leucemia, etc. Casos diferentes descaracterizam carga genéticaAcrescentou que somente cerca de 10% dos casos da doença tinham origem na carga genética. A maior parte era desenvolvida ao longo da vida por vários motivos, muitos deles desconhecidos.
    Pra finalizar, ele me sugeriu os nomes de mais alguns exames simples que poderiam ser acrescentados aos habituais, porém, mais do que viver em função de investigações exaustivas e estressantes, como eu vinha fazendo há cerca de 8 anos, ele me aconselhou:
    Perdoe a tudo e a todos, não guarde mágoa de ninguém, pratique atividade física, reduza o stress e viva feliz.
    Com palavras semelhantes a essas o oncologista realizou um pequeno milagre em minha vida que fez toda a diferença.
    Muito obrigada, Dr. Mario Liberatti, por ter afastado a nuvem negra que fazia uma grande sombra sobre meus dias!
    Ao sair do consultório, senti novamente o calor do sol.

    sexta-feira, 29 de julho de 2011

    Meu Primeiro Fusca


    A garota da foto do meu perfil foi minha inspiração para o nome deste blog. Ela sou eu há pouco mais de um ano, após minha primeira sessão de quimioterapia. Ou eu era ela (dá no mesmo!) porque hoje já nem sei quem sou.
    Quando descobri a doença passei dias escrevendo textos nos quais eu buscava verbalizar meus sentimentos numa tentativa desesperada de impor um pouco de ordem ao meu caos interior.
    Porém a escrita refletia apenas minhas confusões emocionais.
    Após um ano do término do tratamento quimoterápico a ideia de escrever continuou crescendo. E está se exteriorizando neste blog por algumas razões especiais:
    • desejo escrever, transferir para o universo das palavras os sentimentos, experiências, descobertas, alegrias, desilusões da fase mais difícil de minha vida (até agora!);
    • sinto um efeito terapêutico - é uma forma de reorganizar meu mundo interior pra que eu me reconheça novamente;
    • partilhar sentimentos, experiências e informações sempre foi altamente enriquecedor para mim.

    Já nem me lembro quantos anos eu tinha quando tirei minha carteira de motorista.
    Eu morria de medo de dirigir! Ficava tensa e tinha até diarreia!
    Na prática, eu me esforcei pra tirar a licença só porque meu pai me prometera deixar dirigir seu carro  após minha habilitação. Evidentemente eu não tinha um.
    Quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha?
    Treinar direção pra tirar a carteira de motorista ou tirar a carteira pra poder dirigir?
    Comigo aconteceu a segunda opção. Até hoje não consegui entender como passei no teste.
    O que se seguiu foi que guardei minha CNH dentro da carteira e nunca mais dirigi. Apesar de ter um documento em mãos me autorizando a conduzir veículos motorizados eu era consciente de que seria uma ameaça de alto risco no trânsito.
    Aos 25 anos comecei a sentir uma comichão de ter um carro, e a vontade foi crescendo e se tornando irresistível até culminar na compra de um fusquinha creme, um ano mais novo que a dona.
    Percebi que demorei muito pra enfrentar meu medo da direção porque em meu début numa blitz de trânsito o guarda me mandou renovar a carteira - estava vencida!
    Sinto o mesmo com relação a este blog. Demorei. E Deus sabe o quanto desejo chegar ao final de meu período de remissão e ser comunicada: "O câncer também está vencido!"