segunda-feira, 29 de agosto de 2011
A Bagagem Inesperada
Sexta-feira, 27 de novembro de 2009!
Ah, dia feliz! Último dia de trabalho e, enfim, férias!
Era uma manhã linda, ensolarada e que prometia ser um dia de calor em Curitiba.
No trabalho havia muitas coisas a fazer, muitos detalhes a acertar antes de entrar em férias. Eu trabalhava freneticamente tentando me lembrar de todos os detalhes necessários a fim de não deixar pendências.
A certa altura, falei aos colegas:
- Gente, estou indo ao médico buscar o resultado de um exame e volto logo. Um pé pra ir e outro pra voltar.
Tomei o ônibus e encontrei a sala de espera repleta. Com um livro nas mãos eu relaxo completamente, mas naquele dia eu não tinha nenhum comigo. Fiquei folheando revistas e pensando no que eu poderia estar fazendo no trabalho durante aquele tempo de espera. O retorno ao trabalho demoraria mais do que o esperado.
Quando cumprimentei o médico e entrei no consultório tinha em mente todas as perguntas que eu gostaria de fazer a ele. Havia me decidido a remover meu cisto complexo, mas não queria sacrificar minhas férias e nem complicar a vida dos colegas de trabalho. Março do próximo ano seria uma época boa.
Ele deu uma olhada no resultado de minha biópsia e me estendeu o laudo sem pronunciar uma única palavra.
Procurei localizar a informação mais importante na página e li:
"Carcinoma ductal invasivo grau 3"
Carcinoma, carcinoma, carcinoma... aquelas palavras me diziam que sim, eu estava com câncer. Isso eu não precisava perguntar. E nem conseguiria.
Imediatamente minha garganta trancou; tive a sensação de ter uma bola de tênis entalada nela. O ar não entrava, o ar não saía.
De alguma forma bizarra, eu precisava aliviar a pressão interior que me explodiria a qualquer momento, e as lágrimas teimavam em não sair, logo agora que eu precisava delas.
Curiosamente, não senti o teto desabar sobre minha cabeça e nem o chão fugir de sob meus pés. Me lembrei da ansiedade vivida durante toda a semana, das anotações feitas e concluí: "Minha intuição sabia que eu estava doente. Minha mente, não."
Após a maternidade eu estava lendo o livro "Mulheres Que Correm Com Os Lobos", de Clarissa Pinkola Estés, e me encontrava imbuida da tarefa de estimular minha intuição há anos soterrada por meu raciocínio lógico.
Ponto pra intuição!
Quando consegui restabelecer minha respiração e fazer algumas lágrimas correrem pelo rosto, fiz ao médico um sinal de quem pede tempo nos esportes, procurei lenços em minha bolsa, sequei as lágrimas e disse:
- Não foi isso que eu vim fazer aqui. Queria apenas discutir os procedimentos para a retirada de um tumor benigno...
- É, veja bem, eu também não imaginava esse resultado.
Enquanto o médico pronunciava suas sentenças de pesar, me lembrei de uma característica particularmente estranha de minha família: havia pouco espaço para o acolhimento dos sentimentos e das emoções, e uma intensa cobrança de reações práticas.
Minha mãe ouvia atentamente minhas lamentações infantis e juvenis, cumpria suas funções de matriarca me aconselhando com as melhores palavras encontradas em seu rol de experiências de vida e rematava:
- É, minha filha, mas a vida continua. O mundo não pára de girar e a gente não pode parar também.
Era uma maneira dura de dizer que não importava qual fosse o sabor da fruta, laranja ou limão, eu sempre deveria tirar o melhor delas, fosse a laranjada ou a limonada.
Essa força bastante treinada durante 36 anos assumiu o controle sobre aquela parte de mim que se sentia pequena, triste, desamparada, desesperada e que pedia por socorro. Então, essa força me fez dizer:
- E agora Doutor, o que eu faço?
Ele me conduziu a uma sala de exames, me pediu pra tirar a blusa e o sutiã, palpou o nódulo, simulou desenhos em minha mama direita pra visualizar o tamanho da mutilação que eu sofreria, analisou a anatomia de minhas duas mamas e me propôs uma cirurgia conservadora. Traduzindo: uma cirurgia que eliminaria o pedaço doente de minha mama + as áreas de segurança (pra evitar que o câncer se alastrasse no pedaço restante).
Perguntei se ele operava com o auxílio de um cirurgião plástico e a resposta:
- Não, eu não preciso. Sou especialista em reconstrução mamária.
- E como você faria essa reconstrução?
- Poderia usar um retalho de gordura abdominal.
- E como ficaria? Você tem fotos pra me mostrar?
Ele apanhou um livro com fotos artísticas de mulheres que tiveram câncer e sofreram os mais diversos tipos de mutilações, não somente as mamárias. Vendo aquele festival de cicatrizes com três ou quatros dedos de largura, me lembrei da cirurgia que uma grande amiga havia feito meses antes de meu diagnóstico: ela teve câncer na mama direita, como eu, esvaziou a mama e o cirurgião plástico a reconstruiu com um músculo abdominal + gordura abdominal; ela ficou com um seio lindo (diferente do original, mas muito bonito) e ganhou uma abdominoplastia de brinde.
Olhei bem pra cara do Doutor, olhei para as fotos das mutilações e perguntei:
- Você acha esse tipo de reconstrução satisfatória?
- Sim, do ponto de vista mastológico e de reconstrucão estão ótimas!
- Pra mim são horríveis! Não são reconstruções! São mutilações!
- Ah, mas não tem outro jeito de fazer! Você acha que um cirurgião plástico vai deixar você sem cicatrizes?
- Sem cicatrizes, não, mas pelo menos elas ficam fininhas e quase desaparecem com o tempo!
- Não, mas veja bem...
Enquanto eu ouvia todas as justificativas injustificáveis com as quais ele tentava me convencer que aos meus 36 anos eu não deveria buscar uma reconstrução mamária plástica, afinal, plástica é estética, e eu estava doente, deveria cuidar de minha saúde, e não da beleza... blá blá blá
Juro que fiquei com umas perguntas na ponta da língua! Só não as pronunciei por prudência. Imaginem se eu falo e ainda, por um azar maior do que aquele de ter câncer, caio nas mãos dele pra uma cirurgia?
Mas eu queria perguntar:
- Doutor, por acaso o senhor fez sua especialização em reconstrução com o Dr. Frankenstein? O senhor é discípulo dele? Meio disfarçado pra ninguém perceber?
Ora, já não bastava ter câncer aos 36 anos? Poderia ficar pior ainda?
Saí do consultório com mais uma lista de exames pra fazer, e uma relação de médicos a consultar, principalmente um oncologista. Todo o meu tratamento dependeria do resultado de meus exames e do que o oncologista me dissesse.
Quando entrei no consultório do mastologista eu trazia comigo certos pensamentos: tarefas a concluir no trabalho, que bagagem levar na viagem de férias... com certeza haveria biquíni, protetor solar, shorts, camiseta, máquina fotográfica...
Cerca de uma hora depois, sem que eu fosse consultada, sem que tivesse a chance de qualquer escolha, me senti obrigada a esvaziar minhas malas pra colocar nelas outro tipo de bagagem que me acompanharia, não somente nos próximos trinta dias de férias, mas nos próximos meses, e que incluia exames, cirurgia, mutilação, quimioterapia, radioterapia, perda da mama, perda dos cabelos... muitas perdas...
MEU DEUS, NÃO QUERO FAZER ESSA TROCA!
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Menina! O blog tá bombando!!! Quase mil visualizações! P A R A B É N S ! ! !
ResponderExcluirFABIANA, A MISSÃO QUE DEUS TE DEU É ESTA, DIVULGUE QUE ELE CUROU ONTEM, HOJE E SEMPRE
ResponderExcluirABRAÇO AMIGA
PAULO BALARIN