quarta-feira, 10 de agosto de 2011

As Férias?


"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente." Carlos Drummond de Andrade
Férias, ah, as férias estão chegando! No final do ano de 2009 eu também estava me preparando para passar uma semana na praia com minha família em Santa Catarina e depois festejar o Natal com os familiares no norte do Paraná.
Meus preparativos envolvem exames periódicos, pois com um histórico familiar mórbido como meu, preciso fazer prevenção
Por falar em prevenção, desde os 22 anos de idade realizo exames de rotina a cada 6 meses. Mesmo quando meu médico me garantia que eu era jovem e podia fazer check-up anualmente, eu comparecia ao consultório semestralmente e o obrigava a me solicitar exames.
Em 2009 não realizei os tais exames no primeiro semestre. Com toda a mudança na rotina gerada por minha maternidade repentina, não os fiz. E não foi por esquecimento, porque me lembrei deles. Foi por opção, afinal eu estava muito cansada e, certamente, estaria bem, como em todas as outras vezes, afinal, eu estava mais feliz do que nunca.
Numa manhã de novembro, dia lindo de sol e calor em Curitiba, fui realizar exames de imagem comuns: mamografia e ultrassonografia de mamas (em Curitiba o pessoal diz ecografia de mamas).
O ultrassonografista me diz:
- Você tem um cisto na mama direita.
- Posso ficar com ele?
- Vamos ver... bem, como se trata de um cisto complexo preciso recomendar a realização de uma biópsia.
Esse cisto, diferente dos demais que eu havia tido, era uma bolsa cheia de líquido com um pequeno nódulo sólido dentro, como se alguém tivesse enchido uma bexiga de água e inserido uma bolinha de gude dentro dela.
Nessa manhã eu saí do laboratório me sentindo fora do rumo.
Cisto complexo? Meu Deus, o que era isso? E logo agora que eu havia assumido a responsabilidade por um filho? O que fazer? O que pensar? O que? Por que? Para que? Como?
Minha cabeça tornou-se uma máquina de pensamentos geradora de interrogações em ritmo acelerado. Uma infinidade delas.
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Eu olhava para a paisagem ao meu redor e, embora tivesse certeza absoluta de que tudo era colorido, algo dentro de mim impedia que as cores me tocassem. Tetricamente, tudo parecia ter sido pintado em tons de cinza e branco e preto.
Fui encontrar meu marido, que também estava no médico, antes de ir ao trabalho. Falei com ele sobre o "achado". Me sentia oprimida por tanta tristeza. Precisava que ele me tirasse do poço em que eu havia despencado.
- Não deve ser nada - ele respondeu.
Tentei argumentar, embora não tivesse argumentos além dos imaginários, para que ele percebesse o desespero em que eu me encontrava.
- Bom, a gente tem que esperar o resultado do exame - falou a voz da lógica masculina.
Minha ansiedade + tristeza + preocupação estavam me sufocando.
Passei o dia todo no trabalho sem conseguir me concentrar em nada, e nem comer, e olhe pra que perder meu apetite eu tenho que estar muito, MUITO mal.
Três dias se passaram assim, indistintos, em que eu esperava somente o desdobrar das horas mergulhada num mar de ansiedade, com uma bola de tênis entalada na garganta, sem dormir à noite, repetindo a Deus a oração que tantas vezes ouvi minha mãe recitar: 
- Meu Deus, me permita viver pra criar meu filho! Eu não posso abandoná-lo agora. Ele já foi abandonado uma vez. Eu simplesmente não posso fazer isso com ele. Você, meu Deus, permitiu que ele viesse pra minha vida nesse momento; me ajude! Me ajude! Preciso viver pro meu filho! Câncer agora não!
Em casa, com meu Marido, o assunto quase não era comentado. Cada um sentia a tensão no ar, a preocupação, a aflição do outro, mas sem recursos pra ajudar, não se falava no assunto, como se não pronunciar certas palavras tivesse o poder de tirar delas a força, até que, enfraquecidas, não conseguissem se tornar realidade.
No terceiro dia após o exame, fui buscar os resultados já com duas consultas agendadas para aquele dia - meu ginecologista e um mastologista que não era o meu oficial. No meu mesmo, eu iria só no dia seguinte, mas não estava com vontade de perder mais uma noite de sono, resolvi me consultar com outro.
Entre uma consulta fui comprar uma fruta. Estava morta de fome.
Encontrei uma moça de cabelos bem curtinhos que me parecia conhecida. E era. Tratava-se de minha ex-vizinha que eu não via há mais de um ano.
- Caramba, como você está diferente! Cortou os cabelos!
- É, eu tive câncer de mama no início do ano. Perdi os cabelos após a primeira quimio.
Meu Deus! Senti um calafrio percorrer meu corpo... seria um sinal? um sinal de que algo parecido estava pra acontecer comigo? 
Credo! Bata na madeira, Fabiana! Xô! E não viaje na maionese! Foi só uma coincidência.
Quando falei com o mastologista, ele me tranquilizou muito. A probabilidade de um câncer se manifestar na forma intra-cística era muito pequena. Ele mesmo nunca havia pego nenhum caso. Câncer normalmente é diferente. Mesmo assim, a fim de proporcionar um diagnóstico mais apurado, ele me sugeriu fazer uma ressonância magnética das mamas.
Ufa, voltei pra casa com o coração leve como uma pluma levada pelo vento. 
Graças a Deus meus dias de agonia haviam terminado e eu não perderia outra noite de sono.
Meu mastologista realmente me pediu uma biópsia, mas também me tranquilizou: em mais de 20 anos de profissão ele havia diagnosticado apenas um caso de câncer de mama intra-cístico numa senhora de mais de 60 anos de idade. Saí do consultório dele decidida a não ser seu segundo caso.
A biópsia é um exame cujo resultado é meio demorado, em torno de 30 dias.
Com a paz de espírito de volta a minha alma, passei bem quase todo esse período.
Apenas nos últimos 5 dias que antecederam o resultado da biópsia é que senti uma ansiedade despropositada, uma bola de tênis trancando minha garganta, uma dificuldade enorme de concentração que eu não sabia de onde vinha. 
Vasculhando meu interior eu não encontrava medo; estava convicta de que não teria câncer, apenas um cisto benigno que teria que ser removido. Algo me dizia que poderia ser minha intuição, mas como nunca fui uma mulher intuitiva, anotei essas sensações num caderno pra depois confrontá-las com o resultado do exame. 
Sou muito lógica e meu raciocínio me levou a pensar que, apenas 10% dos casos de câncer são genéticos; cistos intracísticos são raros; câncer não é doença de pessoas felizes, e isso, com toda a certeza, eu era; eu não estaria incluída numa estatística tão restrita como essa.
E assim cheguei ao meu último dia de trabalho, véspera de minhas tão esperadas férias em "famila", como dizia meu filhote de apenas 2 aninhos de idade.

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