sexta-feira, 21 de outubro de 2011
De Médico e Louco...
Recebi a notícia de minha doença numa sexta-feira.
O dia acabou. O final de semana chegou.
Muito embora eu estivesse assimilando quantas coisas eu teria que fazer nos próximos dias, que seriam de férias, teoricamente falando, sábado e domingo havia muito pouco ou quase nada a fazer.
Só em pensar no que o futuro me reservava eu sentia um tremendo cansaço.
Havia, também, outros dois sentimentos distintos e conflitantes habitando o mesmo espaço em minha alma: o primeiro era uma serenidade trazida pelo conhecimento da notícia. Tal como diz o Evangelho de São João 8, 32: "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Sim, a verdade me libertou da dúvida, da incerteza, da falta de perspectiva quanto ao futuro. Só que trouxe junto o medo do desconhecido.
Minha vida que era toda certinha, planejada e me conferia a segurança necessária para viver havia escapado de meu controle. Quanto mais eu pensava nisso tudo, mais cansaço e sono eu sentia. Providencial e propositalmente me convenci de que não havia nada que eu pudesse fazer num final de semana e orei pedindo a Deus um pouco de descanso. E dormi bem, como uma criança depois de muito brincar, um sono limpo, sem sonhos.
Intimamente eu guardava em mim uma pequena esperança de que talvez eu acordasse no dia seguinte e veria que eu havia sonhado com o câncer; teria sido apenas um sonho e eu poderia retomar minha vida e minhas férias normalmente.
Meus sonhos secretos não se realizaram.
Me levantei segunda-feira pela manhã, me cerquei de agenda, lista telefônica, internet, papel e caneta e fiz inúmeras ligações para conhecidos a fim de saber referências médicas.
Tentei inutilmente agendar consultas com oncologistas renomados. As atendentes me ofereciam uma lista de espera de 3 meses, no mínimo! Eu mantinha a tranquilidade, quando o meu desejo era de berrar no telefone:
- Será que você não entende? Enquanto eu não iniciar meu tratamento eu estou morrendo um pouquinho por dia! Eu não quero agendar consulta pra tratamento de beleza! Eu preciso de um encaixe, com URGÊNCIA!
Mas elas não entendiam...
O único sucesso que obtive foi o de perceber que as pessoas que representam médicos e clínicas de renome são pessoas completamente alheias à essência de suas funções que não captaram a gravidade do assunto que é tratado ao seu lado, nos consultórios.
Apelei para as amigas e pedi que elas entrassem em contato com médicos conhecidos. E pude perceber a força da rede de relacionamentos. Funcionou!
Lá fui eu pra minha primeira consulta com um oncologista.
Preciso esclarecer que compareci a quase todas as minhas consultas sozinha. Meu marido estava trabalhando, meu filho, de 2 aninhos à época, estava na escolinha o dia todo, não temos parentes em Curitiba e minhas amigas estavam trabalhando também. Marido sempre se oferecia pra ir, mas eu achava que se ele tivesse que faltar ao trabalho, seria melhor quando eu fosse operada. Por ora, eu faria tudo sozinha.
A clínica era chique, com decoração moderna.
Fui conduzida um longo corredor com muitas portas e cadeiras de espera entre elas. Localizei o nome do médico, que chamarei gentilmente de Dr.Maluco e me sentei ao lado da porta. Olhando pra cima vi que no verso da placa onde constava o nome do Dr. Maluco havia um adesivo bastante sugestivo do que eu iria encontrar: "Cuidado! Cão bravo!", com direito a desenho ilustrativo.
Uma auxiliar me conduziu para dentro do consultório e me arrumou na maca para o Doutor me examinar.
O consultório era enorme, com iluminação indireta nas paredes, um balcão do tipo escrivaninha ocupando duas paredes inteiras, repletas de livros e papéis numa desordem proposital. Achei tudo impressionante, até ver médico.
Dr. Maluco era encorpado, com pele queimada do sol, tinha os cabelos ficando grisalhos, desgrenhados à moda Einstein, e usava um jaleco azul que ia quase até seus pés. Ele superava o consultório no quesito "impressão".
Ele me perguntou o que eu tinha, me apalpou e me mandou me vestir.
Sentou-se à escrivaninha, me apontou uma cadeira pra sentar, pegou um papel para fazer anotações e começou o interrogatório.
A cada resposta que eu dava ele me observava de rabo de olho, de cima em baixo fazendo comentários nada animadores.
Resumindo: em sua opinião, com meu histórico familiar - mãe que teve câncer de mama antes dos 50 anos, e minha idade - 36 anos, ele me considerava paciente de alto risco. Sua conduta seria orientar meu mastologista a me submeter à mastectomia bilateral radical!!!!!!!!!!!!!!!!!
Sabem o que isso significa?
Que minhas mamas seriam extirpadas completamente e ao mesmo tempo. No lugar delas, o médico teria que enxertar pele de outra parte do meu corpo pra criar um certo volume que imitaria duas mamas!
Eu teria duas mamas falsas! Remendadas! Costuradas! Ficaria parecendo com uma colcha de retalhos! Uma versão feminina do Franskenstein de Mary Shelley!
Ouvi tudo, fiz muitas perguntas, e disse a ele:
- Estou começando a entender o motivo daquele adesivo no verso de sua placa.
Pela primeira vez ele riu e me disse:
- Ah, você viu é?
Saí do consultório com inúmeros pedidos de exames: uns 50 somente de sangue, ultrassonografias (que em Curitiba se chamam ecografias), tomografias, ressonâncias magnéticas, cintilografia óssea.
Já no carro eu tentava agendar os exames pelo celular, quase vendendo minha alma pra conseguir um encaixe já nos próximos dias.
Quando eu terminava as ações, porque elas sempre acabam, vinha o silêncio. E ele carregava consigo todos os meus temores. Eu dirigia de volta pra casa chorando e pensando:
- NÃO! ISSO NÃO PODE ESTAR ACONTECENDO COMIGO! POR FAVOR, MEU DEUS, ME DIGA QUE ISSO NÃO É VERDADE!
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