sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Tudo Tem Um Lado Bom, Até Uma Cirurgia!

 
 
 
 
Era dezembro de 2009. Eu estava num quarto do Hospital Santa Cruz em Curitiba, deitada numa cama com as pernas meio encolhidas e a cabeça elevada. Recebia soro e morfina para controle da dor em processo pós-operatório. Havia sido submetida a uma adenomastectomia com reconstrução TRAM. Parece xingamento, mas não é!

Minha mama direita havia sido "descascada" por dentro para remoção da glândula mamária, doente de um "carcinoma ductal invasivo", até que sobrassem apenas pele e mamilo.

Meu abdômen havia sofrido uma consequência maior: o cirurgião plástico havia feito uma cirurgia semelhante à abdominoplastia para retirar minha sobra de gordurinha da barriga para, com ela + músculo reto abdominal, reconstruir minha mama.

Fazia muito calor. Ninguém atendia meus apelos de "meu reino por um banho"!
Meu marido estava à janela e eu perguntava:
- O que você vê daí?
- Há uma panificadora francesa chamada Provence em frente ao hospital. As pessoas estão sentadas em mesas na calçada comendo e bebendo.
- Quando eu melhorar, virei a essa panificadora só pra fazer o mesmo que as pessoas estão fazendo, olhar para as janelas do hospital e dizer a mim mesma: agora estou aqui do lado de fora!

Vinte dias antes da cirurgia eu descobrira que estava com câncer. Desde então, empreendera uma verdadeira maratona em busca do melhor tratamento, que começava com a cirurgia. Havia trabalhado tanto em casa para deixar as coisas em ordem e sair de cena com a sensação de dever cumprido que me internei sentindo muito cansaço. A Mastologista ligou para o hospital para me perguntar se eu precisaria de um calmante para dormir naquela noite.

- Não precisa, Doutora. Não vejo a hora de cair na cama e dormir, porque tenho a sensação de que o meu descanso começa hoje.

E realmente dormi a noite toda sem calmante. A cirurgia foi muito bem sucedida. Eu só ansiava por falar com a Mastologista porque queria saber se os meus linfonodos haviam sido preservados ou não. Sem mama se vive bem; sem linfonodos, nem tanto.

Os de minha mãe haviam sido removidos. Ela ficou com o braço permanentemente inchado e sentia dores. Ao longo do tempo, perderia a coordenação motora fina e a força. Essa é a razão para que pessoas mastectomizadas precisem de veículos com câmbio automático.

Quando a Mastologista entrou em meu quarto e sorriu, soltei a primeira pergunta:

- Doutora, e os meus linfonodos????

Graças a Deus estavam todos lá, no lugar.

Fiquei 4 dias no hospital, deitada na cama, praticamente imóvel, na mesma posição. Depois que o efeito dos anestésicos cessa, fica cada vez mais difícil conciliar o sono. Havia uma bomba de morfina conectada ao meu soro. Descobri que se eu acionasse o botão dessa bomba, uma jato extra de morfina em minhas veias provocava um "barato" muito legal. O teto do quarto começava a rodar e eu dormia muito bem. Caí na besteira de contar ao cirurgião plástico que descobrira essa finalidade da morfina e ele sorriu, me disse que era uma droga com alto poder de gerar dependência química, e desligou os jatos automáticos, que tornavam minha presença obrigatória no hospital mais suportável.

Após 4 dias de permanência no hospital, e nenhum banho, voltei pra casa. Com dois drenos, andando curvada pra não esticar a barriga. Parecia uma baa-chan, apelido carinhoso de meu marido pra essa fase.

Cheguei em casa e fui deitada na cama da seguinte forma: com um travesseiro alto sob a cabeça, com as pernas encolhidas e um rolo embaixo dos joelhos. Tudo isso para que eu não esticasse o tronco e a longa cicatriz abdominal que me atravessava o quadril, de ossinho a ossinho. E essa posição seria minha companheira por cerca de 30 dias. E 30 noites também! No mínimo! Quando eu me cansava dela, podia virar a cabeça para a direita ou para a esquerda. Podia também mexer os pés, e fingir que esticava levemente as pernas. Só me levantava pra tomar banho e comer. O resto do tempo, precisava ficar deitada por ordens médicas.

No calor de dezembro, logo após o almoço, todo mundo de minha casa dormia, a começar pelo meu filhote, marido e minha sogra que havia vindo para nos auxiliar nos afazeres domésticos. Só eu que não, de tanto ficar descansada.

Descobri que descansar demais cansa. Até o corpo incomoda. Tentei aproveitar o excesso de tempo livre pra ler. Rendia muito pouco. Os braços não aguentavam segurar o livro por muito tempo.

Meu marido me ofereceu o notebook. O instalou sobre a cama de forma que eu pudesse alcançar o plugue do carregador sem esforço, e me trouxe alguns DVD's para assistir.

 
Meu Deus!!!!! Que delícia!!!!! Vendo os filmes, o tempo passava rápido e eu nem sentia o incômodo do corpo cansado pela mesma posição dia e noite, noite e dia.
Passei a conversar com os amigos e pedir a eles que me enviassem todos os DVD's que tinham em casa. E eles atenderam os meus pedidos. Começaram a vir me visitar e trazer filmes épicos, comédias, infantis, dramas, ficção, aventura, desenhos animados, clássicos, documentários, originais ou genéricos.

E que delícia!!!! Eu usava os fones de ouvido para não atrapalhar ninguém e passava o dia todo e parte da noite vendo filmes, que eu adoro, e me senti tirando o atraso de anos que não fui ao cinema e não parei para ter esse tipo de lazer. Houve dias em que vi 5 filmes!

Pude ver clássicos do quais só ouvira falar durante toda a minha vida!

E para mim esse foi o lado bom do pós-operatório, porque o lado chato, de cuidados, remédios, curativos, drenagens, médico, todos tem.

Sempre procuro ver o lado bom de todas as situações. Quando tudo está estabelecido penso assim: Então tá! Tenho que ficar aqui deitada o dia todo. O que é possível se fazer nessa situação?

Há quase 5 anos, era possível ver filmes em DVD.
Hoje já há tlabets, Netflix, Facebook, What'sApp, e dezenas de aplicativos para que uma pessoa possa se distrair quando não pode fazer mais nada.

Ainda não sabia, mas seria submetida a mais 4 cirurgias semelhantes à primeira e ainda teria oportunidade de ver mais de uma centena de filmes, para os quais eu me preparava ansiosamente quando a data das cirurgias chegava.

E quando sarei, voltei ao Hospital Santa Cruz, mas mudei a direção e entrei na Provence. Fazia frio. Me sentei numa mesa de frente para uma janela, através da qual eu podia ver as janelas do hospital. Cumpri a promessa e disse em voz alta:

- Agora estou aqui do lado de fora! E é BOM DEMAIS!

Um comentário:

  1. Vc e muito guerreira, que Deus permita eu ter tanta força e tanta gratidão quanto vc.💋

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