Talvez a característica mais marcante da pessoa submetida a tratamento quimioterápico seja a perda dos cabelos.
As Barbies até que estão bonitas, afinal elas não perderam seus cílios e sobrancelhas. Expressam como eu me sentia, bem no início de meu tratamento. Uma beleza exótica.
Barbie1 e Euzinha - lindonas, não?
Mas a característica que mais me incomodou não foi exatamente essa, e sim, o inchaço que vai tomando conta do corpo e transformando as formas.
Barbie 2 e Euzona - inchada, me sentindo horrível!
E isso me traz à mente um pequeno episódio com os pedreiros.
Esse trabalhadores invisíveis das construções, manifestam-se por meio de assovios e cantadas à passagem de qualquer mulher, por menos atraente que ela possa parecer.
As paredes das obras protegem suas identidades, ao mesmo tempo que a sinergia do grupo estimula a proliferação de xavecos, alguns cômicos, outros nem tanto.
Esse traço marcante dos profissionais da construção civil os transforma em termômetro de beleza. Passar em frente a uma obra e não receber nem uma cantada, ou nem um assovio sequer, desperta o alarme da autoestima:
- Meu Deus!!!! Será que estou gorda? A celulite está aparecendo? Minha bunda está caída?
E numa manhã de junho, quase na reta final do meu tratamento, fui levar meu filhote na escola onde ele passava o dia, pois eu não tinha energia, disposição, e condições físicas de dar a ele o tratamento que ele merecia e damandava aos 3 aninhos de idade.
íamos a pé para que eu fizesse uma pequena caminhada. O intuito era reduzir os efeitos de uma fadiga eterna que quase me levava à inanição.
Eu usava jeans desbotado, tênis, uma jaquetinha preta justa e um boné preto de bolinhas brancas. Sentia muito frio na cabeça.
Em meu bairro, próximo à escola havia uma construção. Passei em frente à obra já sozinha. Conforme me aproximava já conseguia ouvir os assovios e as cantadas ecoando de várias partes do prédio.
Mas a uma certa altura, um bochicho foi silenciando os assobios e ouvi um diálogo mais ou menos assim:
- Cara, acho que não é mulher!
- Será?
- Aposto que não. Quem acha que é mulher? Quem aposta que não?
Comecei a rir da situação... Estavam fazendo uma aposta sobre minha condição feminina... ou não...
Cheguei em casa rindo e fui me olhar no maior espelho que possuía.
Dei uma volta, analisei minha silhueta. Tirei o boné e verifiquei o aspecto de minha cabeça. E por último me aproximei e comecei a analisar minha fisionomia.
Aos poucos o riso foi perdendo sua graça e força e cedendo espaço a um grande nó na garganta, que se tornou choro, um choro muito sentido.
Fiquei olhando pra mulher do espelho admitindo a mim mesma, pela primeira vez, que eu não a conhecia. Era como se ao longo do tratamento eu estivesse sendo substituída por outra pessoa... uma que era muito diferente de mim e que eu não conhecia mais...
Era isso: eu não me reconhecia mais em mim.
Meu corpo tinha outro formato e assumira um modo de funcionamento tão distinto que me surpreendia a cada dia com sensações e mal-estares antes desconhecidos...
O rosto estava redondo, diferente do meu antigo, magro e anguloso...
A ausência de cílios e sobrancelhas, desfigurava, ao mesmo tempo que contribuía para realçar o que eu menos gostaria de aparentar: o aspecto doentio...
Meus cabelos continuaram nascendo durante toda a quimio, mas cada vez mais finos, ralos, como penugens... Eu ia a uma barbearia perto de casa a cada 15 dias para passar a navalha e raspar essa penugem que tanto me enfeiava.
Nem minhas mãos e pés eu reconhecia mais, de tão inchados que estavam.
Fiquei parada em frente ao espelho, chorando, não sei por quanto tempo.
- O que foi que aconteceu comigo? No que eu me transformei? No que eu fui transformada? Cadê a Fabiana? Onde está a minha Fabiana, aquela que eu conheço e que sei como funciona?
Senti tanta raiva que queria me vingar dos pedreiros ficando linda novamente e passando lá em frente à construção, com a mesma roupa, pra tirar o boné e dizer a eles:
- E agora, rapazes? Vão apostar que sou homem? Ou será que sou mulher? Quem dá mais? Seus babacas!!!!
Ao fim e ao cabo, quando me senti novamente bonita, mais ou menos 9 meses após o fim do tratamento, passei em frente à construção. Não havia mais sinal nenhum dos pedreiros. Só do movimento dos moradores do edifício.
E eu voltei para casa pensando que estava novamente bem, e graças a Deus, encontrara a luz ao final do meu túnel escuro chamado quimioterapia!
Já desinchara bem, os cabelos formavam cachinhos em minha cabeça e eu os amava.
Teria, entretanto, que aceitar o fato de que nunca mais reencontraria os pedreiros e tampouco a Fabiana que fui, aquela que eu conhecia e de quem eu gostava muito.
Teria pela frente uma jornada para me reconhecer novamente e admitir que a experiência do câncer havia me transformado profundamente.
Me tornei uma pessoa melhor para os outros?
Não sei... talvez sim... talvez não...
Certamente me tornei uma pessoa diferente.
Mas sinto que me tornei uma pessoa melhor para mim mesma.
E se eu gostava da Fabiana antiga, a nova EU AMO!!!!
ME SINTO MUITO MAIS FELIZ COM MEU NOVO EU, DO QUE JAMAIS FUI ANTES DESSA DESVENTURA CHAMADA CÂNCER, QUE EU GOSTARIA DE NÃO TER CONHECIDO, MAS CUJA SOBREVIVÊNCIA SE TORNOU MINHA REDENÇÃO!!!!
Olá Fabiana!
ResponderExcluirMuito obrigado por compartilhar sua experiência. Ao ler o seu relato senti um misto de emoções mas com um saldo muito positivo. Eu acredito que agora percebo a real dimensão do impacto do tratamento na vida da minha mulher. Ela esta passando pelo mesmo que você e mesmo estando ao lado o tempo todo não tinha me dado conta disto.
Obrigado, principalmente pelo encorajamento no final!
Abraços,
Era pura verdade...
ResponderExcluirEu era O caminhão de concreto descarregando na obra...
Todos os pedreiros pararam a obra pra divagar sobre o gênero de estranhos que passam na rua...