segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O Caso dos Pedreiros

Um caso cômico sobre como a luta pela sobrevivência pode nos transformar...


Talvez a característica mais marcante da pessoa submetida a tratamento quimioterápico seja a perda dos cabelos.

As Barbies até que estão bonitas, afinal elas não perderam seus cílios e sobrancelhas. Expressam como eu me sentia, bem no início de meu tratamento. Uma beleza exótica.


Barbie1 e Euzinha - lindonas, não?
 
Mas a característica que mais me incomodou não foi exatamente essa, e sim, o inchaço que vai tomando conta do corpo e transformando as formas.

 
Barbie 2 e Euzona - inchada, me sentindo horrível! 
 
E isso me traz à mente um pequeno episódio com os pedreiros.
 
Esse trabalhadores invisíveis das construções, manifestam-se por meio de assovios e cantadas à passagem de qualquer mulher, por menos atraente que ela possa parecer.
 
As paredes das obras protegem suas identidades, ao mesmo tempo que a sinergia do grupo estimula a proliferação de xavecos, alguns cômicos, outros nem tanto.
 
Esse traço marcante dos profissionais da construção civil os transforma em termômetro de beleza. Passar em frente a uma obra e não receber nem uma cantada, ou nem um assovio sequer, desperta o alarme da autoestima:
 
- Meu Deus!!!! Será que estou gorda? A celulite está aparecendo? Minha bunda está caída?
 
E numa manhã de junho, quase na reta final do meu tratamento, fui levar meu filhote na escola onde ele passava o dia, pois eu não tinha energia, disposição, e condições físicas de dar a ele o tratamento que ele merecia e damandava aos 3 aninhos de idade.
 
íamos a pé para que eu fizesse uma pequena caminhada. O intuito era reduzir os efeitos de uma fadiga eterna que quase me levava à inanição.
 
Eu usava jeans desbotado, tênis, uma jaquetinha preta justa e um boné preto de bolinhas brancas. Sentia muito frio na cabeça.
 
Em meu bairro, próximo à escola havia uma construção. Passei em frente à obra já sozinha. Conforme me aproximava já conseguia ouvir os assovios e as cantadas ecoando de várias partes do prédio.
 
Mas a uma certa altura, um bochicho foi silenciando os assobios e ouvi um diálogo mais ou menos assim:
 
- Cara, acho que não é mulher!
 
- Será?
 
- Aposto que não. Quem acha que é mulher? Quem aposta que não?
 
Comecei a rir da situação... Estavam fazendo uma aposta sobre minha condição feminina... ou não...
 
Cheguei em casa rindo e fui me olhar no maior espelho que possuía.
 
Dei uma volta, analisei minha silhueta. Tirei o boné e verifiquei o aspecto de minha cabeça. E por último me aproximei e comecei a analisar minha fisionomia.
 
Aos poucos o riso foi perdendo sua graça e força e cedendo espaço a um grande nó na garganta, que se tornou choro, um choro muito sentido.
 
Fiquei olhando pra mulher do espelho admitindo a mim mesma, pela primeira vez, que eu não a conhecia. Era como se ao longo do tratamento eu estivesse sendo substituída por outra pessoa... uma que era muito diferente de mim e que eu não conhecia mais...
 
Era isso: eu não me reconhecia mais em mim.
 
Meu corpo tinha outro formato e assumira um modo de funcionamento tão distinto que me surpreendia a cada dia com sensações e mal-estares antes desconhecidos...
 
O rosto estava redondo, diferente do meu antigo, magro e anguloso...
 
A ausência de cílios e sobrancelhas, desfigurava, ao mesmo tempo que contribuía para realçar o que eu menos gostaria de aparentar: o aspecto doentio...
 
Meus cabelos continuaram nascendo durante toda a quimio, mas cada vez mais finos, ralos, como penugens... Eu ia a uma barbearia perto de casa a cada 15 dias para passar a navalha e raspar essa penugem que tanto me enfeiava.
 
Nem minhas mãos e pés eu reconhecia mais, de tão inchados que estavam.
 
Fiquei parada em frente ao espelho, chorando, não sei por quanto tempo.
 
- O que foi que aconteceu comigo? No que eu me transformei? No que eu fui transformada? Cadê a Fabiana? Onde está a minha Fabiana, aquela que eu conheço e que sei como funciona?
 
Senti tanta raiva que queria me vingar dos pedreiros ficando linda novamente e passando lá em frente à construção, com a mesma roupa, pra tirar o boné e dizer a eles:
 
- E agora, rapazes? Vão apostar que sou homem? Ou será que sou mulher? Quem dá mais? Seus babacas!!!!
 
Ao fim e ao cabo, quando me senti novamente bonita, mais ou menos 9 meses após o fim do tratamento, passei em frente à construção. Não havia mais sinal nenhum dos pedreiros. Só do movimento dos moradores do edifício.
 
E eu voltei para casa pensando que estava novamente bem, e graças a Deus, encontrara a luz ao final do meu túnel escuro chamado quimioterapia!
 
Já desinchara bem, os cabelos formavam cachinhos em minha cabeça e eu os amava.
 
 
Teria, entretanto, que aceitar o fato de que nunca mais reencontraria os pedreiros e tampouco a Fabiana que fui, aquela que eu conhecia e de quem eu gostava muito.
 
Teria pela frente uma jornada para me reconhecer novamente e admitir que a experiência do câncer havia me transformado profundamente.
 
Me tornei uma pessoa melhor para os outros?
 
Não sei... talvez sim... talvez não...
 
Certamente me tornei uma pessoa diferente.
 
Mas sinto que me tornei uma pessoa melhor para mim mesma.
 
E se eu gostava da Fabiana antiga, a nova EU AMO!!!!
 
ME SINTO MUITO MAIS FELIZ COM MEU NOVO EU, DO QUE JAMAIS FUI ANTES DESSA DESVENTURA CHAMADA CÂNCER, QUE EU GOSTARIA DE NÃO TER CONHECIDO, MAS CUJA SOBREVIVÊNCIA SE TORNOU MINHA REDENÇÃO!!!!

domingo, 12 de outubro de 2014

Cuidados Durante a Quimioterapia - Aromas e Alimentos

Que bom que o Outubro Rosa chegou novamente!
Momento oportuno para continuar falando em cuidados especiais durante todo o tratamento quimioterápico.
Cuidados simples, nem sempre divulgados, que poderão tornar a vivência desse período tão delicado e difícil num sucesso.

OS CHEIROS:


Nunca havia me dado conta, antes, de que o mundo é um lugar muito cheiroso.
E descobrir isso durante a quimioterapia não foi nada agradável.
Sabe aquele cheiro gostoso de perfume que te remete a uma época maravilhosa de sua vida?
O seu sabonete preferido?
Aquele xampu gostoso, o hidratante e o desodorante que te renovam?
Ou aquele aroma de um prato especial que sua avó ou mãe cozinhavam quando você era criança?
O pão quentinho saindo do forno?


O café recém coado?
Aquele cheiro de lençol recém lavado, numa cama limpinha? O cheiro de amaciante nas roupas do varal?
Os aromatizadores de ambiente e produtos que usamos pra deixar nossa casa mais cheirosa?
Então, se você se lembrou, ESQUEÇA TUDO ISSO!!!!!!!
Vamos usar a nossa inteligência para que após esse período difícil da quimioterapia TODOS ESSES CHEIROS VOLTEM A SER MARAVILHOSOS!
Não sou autoridade no assunto, e nem afirmarei que todos os medicamentos quimioterápicos aumentam a sensibilidade para odores, mas os que tomei aumentavam.
Descobri cheiros nunca antes imaginados.
Meu nariz parecia ter se tornado um radar: CAPTAVA TUDO!
E TUDO incomodava.
Nos dias de maior sensibilidade eu passava a maior parte do tempo deitada.
Fazer xixi era horrível, porque o cheiro me provocava náuseas.
Lavar as mãos com sabonete me provocava ânsias.
O que era possível fazer sem respirar, eu até fazia. Prendia a respiração e lavava as mãos. Mas depois voltava pra cama e escondia as mãos pra não sentir o cheiro do sabonete que ficava na pele.
Escovar os dentes era tarefa hercúlea. Até o fio dental tem aroma!
Só quem passou por essa experiência - de alta sensibilidade a odores - sabe o quanto é difícil tomar banho. No banheiro tudo cheira - bem ou mal - mas tudo tem cheiro marcante.
Quando meu filhote chegava da escola, suado de tanto brincar, ele ia me ver no quarto. Deus sabe o esforço que eu fazia pra suportar o cheirinho dele e as náuseas que me provocava, sorrindo para aquela criaturinha linda!


O que eu fiz: na véspera da quimioterapia eu recolhi os meus perfumes prediletos e todos os produtos de higiene cujo cheiro eram importantes para mim e os guardei fora do alcance das mãos e dos olhos, para não cair em tentação.
Reservei para meu uso produtos com pouco ou nenhum cheiro, na medida do possível. Mesmo os que tinham odor, procurei os mais fraquinhos e sem poder de fixação, que usei durante todo o tratamento.
Notei que não é fácil encontrar produtos sem perfume. As opções são muito restritas.
Os meus cheiros prediletos só foram resgatados bastante tempo depois do término de minha quimio, quando eu me senti recuperada.
Numa consulta com um Oncogeneticista ele me perguntou:
- Ficou com aversão a alguma coisa após a quimio?
Só nessa ocasião é que parei para pensar no assunto e conclui:
- Fiquei sim. Ao Vonau.
Vonau é um comprimido sublingual com sabor e aroma de abacaxi, que deveria conter náuseas. Mas quando eu o consumia, algumas vezes a título de prevenção e outras para contenção das ânsias de vômito, o cheiro me agredia tanto que, não raro, me provocava vômito.
Nessa ocasião, o Oncogeneticista me parabenizou e disse que tive muita sorte.
A maior parte das pessoas fica sensibilizada pelo resto da vida a muitos cheiros, que sempre as remeterão a essa experiência ruim.
Sorte ou não, acredito que nossa inteligência auxilia a sorte.
E por isso partilho com vocês essa experiência bem sucedida.
Prometi a mim mesma que nunca mais tomaria Vonau!
Mas não é que a Pediatra do meu filho receitou exatamente esse antiemético a ele para prevenção de náuseas em viagens?
Quando tenho que dar o remédio ao baixinho, faço como antes: prendo a respiração.
E com sorte, inteligência ou benção divina, todos aqueles cheiros maravilhosos que num determinado período foram insuportáveis para mim, readquiriram seu encanto em minha vida.
E eu desejo, de coração, que o mesmo aconteça contigo ou com as pessoas que você ama.

 
OS ALIMENTOS
 

Da mesma forma que os demais aromas, os dos alimentos são muito importantes, principalmente porque associado ao cheiro há o sabor.
Recomendações relacionadas a alimentos são mais complexas porque as sensibilidades e percepções são muito diferentes de paciente para paciente.
Farei algumas sugestões e logo após falarei um pouco da minha experiência.

  • Abuse dos alimentos frios e gelados quando estiver sentindo enjôos. Quase não exalam cheiro e ajudam a aliviar as náuseas;
  • Quando não se sentir em condições de comer, não coma. Mas não deixe de se hidratar em hipótese alguma. Vale consumir até gelo de água de côco para chupar, mas hidratação é fundamental;
  • Se não estiver conseguindo ingerir líquidos e se manter hidratado, fale com seu Oncologista. Não espere ficar desidratado para falar com seu médico. Lembre-se: você precisa de, no mínimo, 2 litros de água  (preferencialmente) ou outro líquido, por dia;
  • Nas ocasiões em que sentir aquela vontade quase irresistível de comer algo, como desejo de grávida, coma. Provavelmente é o alimento que irá contribuir para que seu corpo recupere os nutrientes mais importantes naquele momento;
  • Tome cuidado especial com os alimentos que você mais gosta. Às vezes a gente está muito bem, come algo que gosta muito e passa muito mal. Pode acontecer até de um algum alimento que sempre te fez bem se tornar muito indigesto;
  • Converse com um Nutricionista, de preferência o da clínica ou hospital onde está se tratando, para receber dicas importantes sobre alimentação em cada fase de seu tratamento, pois os sintoma podem mudar ao longo do tempo. Só um profissional da área, habituado a tratar pacientes em quimioterapia, poderá auxiliá-lo de forma personalizada. 

 
Minha Experiência:
Sou um bicho esquisito. Tenho muita facilidade para me acostumar com gostos estranhos. Tomo bebidas amargas com facilidade, e se for algo que me faz bem, trato de aprender a apreciar.
Antes do início de minha quimioterapia, inseri o suco verde em minha dieta. Passei todo o pós-operatório e a quimioterapia tomando esse suco 3 vezes ao dia, cerca de meia hora antes das principais refeições. Só não o tomava quando os enjoos não me permitiam. Após o fim do tratamento, passei a consumi-lo todos os dias antes do café da manhã. Faço isso até hoje, quase que religiosamente, hábito prestes a completar 5 anos. Dedicarei um post ao suco verde, que ganhou o  moderno nome de Detox e está sendo, inclusive, industrializado. Mas nada se compara ao orgânico, fresquinho e natural.
Mesmo sem vontade, eu me esforçava para me alimentar e tomar líquidos. Nem que fosse só um pouquinho. Só não fazia isso quando era realmente impossível.
Nos primeiros dias após a quimio, era muito difícil me alimentar. Eu comia pouco.
Em compensação, quando as náuseas enfraqueciam, eu sentia uma vontade louca de comer virado à paulista com bacon e ovo frito, lasanha... só essas coisinhas calóricas e bem gordurosas. Nessas ocasiões, eu comia exatamente isso.
Minha prima, que passou por tratamento semelhante, me contou que nos dias que conseguia se alimentar sentia vontade de comer queijo coalho assado, ou a lasanha aos quatro queijos.
Houve uma ocasião em que me senti bem e pedi a minha madrinha que fizesse panquecas. Comi 6 de uma única vez!!!!
Saciada a vontade, voltava para uma dieta mais balanceada, cheia de sucos naturais, frutas frescas, legumes, verduras, alimentos integrais. Todos os alimentos crus eram preparados em minha casa, higienizados de acordo com as orientações recebidas na clínica oncológica (para maiores informações, ver o post Chegou a Hora da Quimioterapia).
Eu procurava seguir as orientações médicas e nutricionais rigorosamente. Tomava até Aloe Vera da Forever, o do frasco amarelo. Nunca tomei nada tão horrível quanto aquilo...
As três últimas sessões de quimio foram diferentes das primeiras. Ao invés de enjoo provocavam dores nos ossos e queimavam as mucosas de todo o corpo. Minha boca toda ficava como seu eu tivesse tomado um chá muito quente, completamente queimada e sem sensibilidade. Até sua completa recuperação eu perdia o paladar dos alimentos. Não sentia o doce e o salgado, o amargo e o azedo, apenas a textura dos alimentos. Nada tinha gosto. Somente na laranja e em outras frutas cítricas eu conseguia sentir a doçura. Ainda assim, me alimentava. Quando comia uma pizza Marguerita dizia ao meu marido:
- Aposto que esta pizza está esplêndida, mas me parece que nada tem sal, e nem gosto algum.
Ao fim e ao cabo, de tudo, apenas o cheiro do Vonau e o gosto do Aloe Vera da Forever me marcaram de forma negativa, o que não é absolutamente nada perto do que poderia ter sido.
Fico imaginando se eu não suportasse mais o cheiro do perfume que usava quando comecei a namorar meu marido, ou o que ele usava... o sabor do virado à paulista com bacon e ovos que adoro até hoje...
Meus cheiros queridos e sabores amados recuperaram seu encanto e sabor em minha vida, e redescobri-los foi uma experiência incrível!