terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Michael Jordan e Eu


"Novamente a oração é a chave de tudo. Isto me fez lembrar de uma história contada por um principiante que jogava para o Chicago Bulls. Certa noite, o incomparável Michael Jordan fez 65 pontos e o novato recebeu ordem de entrar nos dois últimos minutos do jogo. Quando o jovem foi interrogado mais tarde por um repórter, ele disse: "Foi mesmo uma grande noite. Michael Jordan e eu fizemos 68 pontos". É assim que me sinto sobre ser pai e sobre a oração. Fazemos todo o possível para ganhar alguns pontos, mas a maior contribuição é feita pelo criador dos filhos."
O relato acima está no livro Educando Meninos, escrito pelo Dr. James Dobson e a história do jogo é citada como tendo sido relatada pelo Vice-Presidente Albert Gore Jr. no Desjejum presidencial, em 1995.
A maternidade sem gestação visível me trouxe muitas inseguranças sobre como lidar com meu filhote. Sem familiares ao meu lado, e me esquecendo da existência dos amigos, sempre presentes, lancei mão da atividade que mais gosto de realizar na vida: a leitura. Li muitos livros sobre educação de filhos. De todos eles, o trecho acima foi aquele que colou em minha mente e em meu coração, aliviando um pouco a tensão natural gerada pela responsabilidade de educar uma criança. Dividir o fardo com Alguém cujo poder é infinito foi extremamente tranquilizante.
Receber uma notícia como "Você está com câncer" é muito ruim, e depois dela  pensei que nada de pior poderia ocorrer comigo. Eu não poderia estar mais enganada!
A busca por opiniões médicas era exaustiva. Muitas clínicas me ofereciam uma lista de espera de 3 a 6 meses por uma consulta oncológica. Ora, que paciente de câncer pode ficar esperando um médico por 6 meses? O despreparo das atendentes de clínicas chiques e renomadas se tornou evidente. Num mundo perfeito elas iriam me oferecer um encaixe, ou uma consulta com outro médico da clínica. Demonstrariam alguma empatia por alguém que gritava por socorro do fundo de um abismo. Só que mundo perfeito não existe, e as secretárias das clínicas oncológicas não demonstraram a menor compreensão da gravidade da doença com que trabalhavam todos os dias.
Enfrentei muitas filas de encaixe, conversei com alguns mastologistas e oncologistas para conhecer suas opiniões sobre as linhas de tratamento que poderiam ser adotadas em meu caso. Não faço o gênero desesperado, daqueles que afundam num buraco negro quando recebem a pior notícia de suas vidas. Só que eu não parava de receber más notícias, e estava começando a me desesperar.
Quase 15 anos haviam transcorrido desde o tratamento de minha mãe e o meu, a medicina evoluído, o século havia mudado e, pasmem, os médicos continuavam encarando a reconstrução mamária como um detalhe estético que não faz parte do tratamento de um câncer de mama! Dá pra acreditar nisso?
Todas as noites eu chegava em casa e meu Marido perguntava:
- E daí, Esposa, como foi hoje?
- Ainda não foi hoje. Não encontrei a equipe que vai me tratar.
Em oração eu pedia a Deus que me mostrasse o caminho a seguir! Eu continuaria minha busca empenhando todos os dons naturais com os quais fui abençoada - inteligência, intuição e a capacidade de controle emocional. Eu esgotaria todos os recursos disponíveis antes de me conformar com todas as notícias péssimas que eu vinha recebendo diariamente. Essa foi a maneira que encontrei para tentar marcar meus 3 pontos nesse jogo.
Uma grande amiga recém saída de um tratamento de câncer de mama conseguiu que sua mastologista aceitasse me atender às 19h00. Dra. J me impressionou pela beleza e juventude. Acho que ela é mais nova do que eu. De posse de todos os meus exames ela percebeu que eu buscava alternativas. E demonstrou empatia por mim e simpatia pela reconstrução mamária imediata. Evidentemente uma mulher com boa autoestima enfrenta melhor um tratamento quimioterápico e tem mais chances de sucesso! Claro como a luz de um dia ensolarado. 
Voltei para casa bem tarde naquela noite, cansada, com fome, e chorando de alívio por minha busca ter, enfim, chegado ao fim.
Retornei no dia seguinte para falar com o Dr. C, o cirurgião plástico e discutir minhas possibilidades de reconstrução. Participei da escolha do método e pedi que minha glândula mamária fosse completamente retirada. Havia só um pedacinho doente, mas minha intuição me dizia que era melhor me livrar dela toda. E essa decisão se mostrou a mais acertada, como relatarei oportunamente.
Com a equipe escolhida, começava outra maratona: os preparativos pré-cirúrgicos que envolvem plano de saúde, exames, pré-anestésicos, auto-doação de sangue, fotos, passando inclusive pela compra de meias, cintas, sutiãs e até os pijamas adequados, pra não falar nos preparativos de uma rede de apoio em casa, afinal, eu estaria saindo de cena de minhas atividades de esposa, mãe e dona de casa pra me tornar completamente dependente de minha família. Quando digo completamente, quero dizer exatamente DEPENDÊNCIA COMPLETA. Até para me levantar da cama e ir ao banheiro eu precisava de ajuda.
Um dia, finalmente, tudo estava encaminhado. Me sentei em minha cama, relaxei e comecei a pensar em tudo o que estava acontecendo. Analisando todos os fatores envolvidos no tratamento, pela primeira vez comecei a pensar que a probabilidade de tudo dar certo era infinitamente menor do que a de tudo dar errado. Por mais que eu me esforçasse havia muito pouco que eu pudesse fazer pelo sucesso de minha cirurgia. Havia médicos, auxiliares, centro cirúrgico, anestesista e tanta gente e recursos envolvidos... e eu não podia tomar conta de nada, só de mim mesma. 
Bateu um desespero muito grande que começou com uma bola entalada na garganta, a respiração ficou curtinha, o medo foi se agigantando e me envolvendo numa atmosfera opressiva. Comecei a chorar e o choro foi crescendo, convulsionando, enquanto eu me sentia cada vez menor, como se eu estivesse encolhendo ao passo que os monstros que me aterrorizavam se tornavam cada vez maiores. Seriam eles que estavam crescendo, ou eu que estava diminuindo? Eu não sabia. 
Também não sei por quanto tempo fiquei nesse estado. Sei apenas que chorei muito, até me cansar e as lágrimas secarem, até não encontrar mais em mim nenhuma fonte de energia para reagir. 
No auge do meu cansaço, me sentindo completamente abandonada, um pequeno milagre aconteceu: me lembrei do Michael Jordan.
Comecei a sorrir, me levantei com a cara toda inchada, fui ao banheiro lavar o rosto, me olhei no espelho e disse a mim mesma: 
- Fabiana, você se esqueceu em que time você joga! Sua única obrigação é marcar 3 pontos!
E eu estava determinada a marcar os meus; e tinha bem mais de 2 minutos restantes em meu jogo. 
Voltei a me sentir em paz novamente, mesmo sabendo que minha jornada estava apenas no início e que não seria fácil concluí-la.
Quando meu Marido me perguntava:
- E agora, Esposa, o que vamos fazer?
Eu respondia sorrindo e em paz:
- Nada com que se preocupar, Marido. Só preciso marcar 3 pontos, e você sabe que estou me esforçando muito para isso. O resto não é comigo, afinal, eu jogo no time do Michael Jordan!!